segunda-feira, 20 de junho de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Solstício de Verão

 Reflexões Astrológicas

Estações



Solstício de Verão

Lisboa, 10h14min, 21/06/2022

 

Sol

Decanato: Vénus

Termos: Marte

Monomoiria: Lua

 

  

  O Solstício de Verão (Hemisfério Norte), com o ingresso do Sol em Caranguejo, é por excelência uma celebração da luz, não a luz que vence as trevas, como a que se começa a sentir nas Candelárias (a Thesmophoria dos mistérios de Elêusis), mas sim a luz que fertiliza. O Rei Carvalho surge como senhor do Verão, reinando até que a morte o vença e o Rei Azevinho, senhor do Inverno, ocupe o seu lugar. As bagas brancas do visco sagrado, crescendo no carvalho, são substituídas pelas bagas vermelhas do azevinho, entre umas e outras, as bagas negras do sabugueiro, consagrado à Senhora e cuja madeira não pode ser queimada sob a pena de maldição, assinalam a continuidade do seu poder.  

  Nesta mimésis da realidade, o Rei morre e renasce, tal como a luz surge e desaparece, mas a Deusa, Senhora da Roda do Tempo e do Caldeirão do Mundo, não conhece a morte e a destruição. A Deusa é a Lua que muda de rosto, mas permanece a mesma, é a Morte na Vida e a Vida na Morte. A religião patriarcal suprimiu a Deusa, mas o sentido profundo do seu papel nesta mimésis da realidade sobreviveu, continua activo. O Sagrado Feminino é assim, no Verão, a Morte na Vida e, no Inverno, a Vida na Morte, daí que o ingresso do Sol em Caranguejo represente a Origem e em Capricórnio o Fim.

  Existe naturalmente, nesta simbólica de matriz pagã, uma relação implícita deste eixo Caranguejo-Capricórnio com o eixo Touro-Escorpião, que representa a Vida e a Morte - e onde hoje se encontra o Dragão da Lua -, ou seja, quando, em Touro, a Deusa e o Deus se unem, gerando o Rei-Menino, é esse o fruto que, a partir do poder de sua Mãe (Caranguejo), surgirá no auge da luz como Senhor do Verão ou quando, em Escorpião, a Senhora da Roda levar até ao Rei a sua Morte (Escorpião), será o Rei-Morto no seu cume de vida a tornar-se o Senhor do Inverno.

  O eixo solsticial Caranguejo-Capricórnio, tecendo o veio da Origem ao Fim, para além de marcar a influência da luz que cria e destrói e a importância primordial e radical do Verão e do Inverno, serve também para relembrar e reafirmar astrologicamente a ordem estabelecida no thema mundi como alternativa à ordem vernal (Carneiro na Casa I). Ao colocar-se Caranguejo a marcar a Hora, na Casa I, e Capricórnio no Poente, na Casa VII, conservamos o sentido profundo apresentado na mimésis pagã da realidade, acima mencionada, e que está também em harmonia tanto com os significados herméticos do círculo dos doze lugares (δωδεκατόπος) como com os mistérios de Mitra, em especial, com a arquitectura simbólica do mithraeum.

  Em termos de regência zodiacal e domiciliar, o Verão inicia-se sob os auspícios de Caranguejo e da Lua, passando depois para Leão e para o Sol. A Água e o Fogo tornam-se consequentemente elementos dinâmicos de fertilização e maturação, uma condição para a colheita no fim do Verão, no início do Outono. Ora é este o sentido que encontramos no Corpus Hermeticum (Discurso de Hermes Trismegisto: Poimandres) quando se afirma o seguinte: Como disse então, o nascimento dos sete ocorreu do seguinte modo. Feminina era a Terra. A Água fertilizava. O Fogo era a força de maturação. A Natureza tomou o sopro vital do éter e fez nascer os corpos sob a forma humana. Da vida e da luz, o Humano tornou-se alma e mente; da vida veio a alma, da luz veio a mente, e todas as coisas no mundo dos sentidos permaneceram assim até ao fim do ciclo (e) as espécies começarem a ser.” (I, 17). Hermes sintetiza, desta forma, as interpretações anteriormente apresentadas.

  Curiosamente, a Lua, no actual Solstício, encontra-se peregrina, sem qualquer dignidade essencial, no signo de exaltação do Sol e, para o tema de Lisboa, no Lugar de Deus (IX), a casa onde, no seu Segmento de Luz (αἵρεσις), mais brilha o Deus-Sol, iluminando o círculo desde o tabernáculo. Esta Lua é a deusa errante, a Sabedoria ignorada e desprezada. Em Carneiro, é a acção potencial do feminino que não se efectua, a impotência da possibilidade. Já o Sol encontra-se com Júpiter em recepção mútua por exaltação, atenuando a hostilidade quadrangular e transformando-a numa afinidade que enaltece o potencial de cada um.

  Por outro lado, Mercúrio, Vénus, Marte e Saturno encontram-se nos seus próprios domicílios. Vénus e Saturno são também os regentes da triplicidade e este último encontra-se nos seus próprios termos, enquanto Marte, que também se encontra-se nos seus próprios termos, recebe a luz de Mercúrio (sextil) e do Sol (quadratura), que se encontra nos termos de Marte. De um modo geral, a influência planetária age de acordo com a sua própria natureza, ou seja, o seu potencial de sentido age por si. A luz expande-se a partir da sua própria matriz.

  A acção é, de facto, um denominador comum no tema do solstício e no período do Verão. Essa dinâmica activa da origem, da génese (Caranguejo), ao acto (Carneiro) e do acto ao fim, à finalidade (Capricórnio), funda-se no tempo em causa numa actividade que é tanto externa como interna, que condicionará quer a acção humana, quer o seu modo estar, de sentir e pensar. Epicteto diz-nos o seguinte: Quando discernires que deves fazer alguma coisa, faz. Jamais evites ser visto fazendo-a, mesmo que a maioria suponha algo diferente sobre <a acção>. Pois se não fores agir correctamente, evita a própria acção. Mas se <fores agir> correctamente, por que temer os que te repreenderão incorrectamente?” (Encheiridion 35, trad. A. Dinucci & A. Julien, 2014: p.59. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra). Esta poderá ser a força (Marte) da acção (Carneiro) mediada pela justiça (Júpiter). A justa-medida favorece sempre o acto conveniente e apropriado.

  Se pensarmos assim que, do solstício de Verão ao equinócio de Outono, o fenómeno astrológico de retrogradação marcará com destaque este tempo electivo, concluiremos essa mediação. Júpiter passará de directo a retrógrado e Saturno manter-se-á retrógrado, já Úrano e Neptuno passarão de directos a retrógrados e Plutão passará a directo, activando a morte e a transformação. Mercúrio, Vénus e Marte irão viajar naturalmente pelo Zodíaco. Mercúrio seguirá de Gémeos a Balança, passando a retrógrado só no dia 10 de Setembro. Vénus, com a regularidade que lhe é natural, avançará de Touro a Balança, os seus domicílios. Por fim, Marte marchará de Carneiro a Gémeos, onde ficará mais tempo.

  Este movimento de Marte determinará, em grande parte, a evolução das guerras, em especial, a da Ucrânia. O peso dos avanços militares centrados nos líderes políticos e nos nacionalismos (Carneiro), passará para uma maior movimentação das tropas no terreno, reforçando o papel das infantarias e da artilharia e o domínio dos territórios (Touro) e, desta fase, para uma escalada da tensão diplomática e da instrumentalização dos media, bem para um aumento dos ataques aéreos e do poder de destruição dos mísseis utilizados (Gémeos). Lembremo-nos que as bombas de Hiroshima e Nagasaki foram lançadas com Marte em Gémeos. Em suma, no que à guerra e aos seus efeitos concerne, os tempos serão difíceis.

  Nas relações que se estabelecem no tema do solstício, a quadratura do Sol em Caranguejo à Lua, Júpiter e Marte em Carneiro é, tal como já descrevemos, de particular importância, forçando tanto a actividade do humano como a impossibilidade – no tempo actual – de realização do Sagrado Feminino. No entanto, a relação hexagonal do Sol a Vénus, a Úrano e à Caput Draconis em Touro acentua o valor que vai da Origem ao Viver, questionando e reformulando a nossa ligação à Terra-Mãe, à Natureza, bem como àquilo que consideramos bens de primeira necessidade, o que é reforçado pelas ligações do Sol ao Dragão da Lua, projectando como revelação a luz e a sombra sobre os nosso valores.

  De um outro modo, o Senhor do Hades (Plutão) afronta os luminares (oposição ao Sol e quadratura à Lua), relembrando que a Morte também vive na Arcádia e que, em breve, furtará a sua mãe a Rainha Perséfone. O amor de Hades por Perséfone é uma condição de possibilidade da vida, do nascer e do morrer, daí o trígono de Plutão e Vénus, unindo o Morte ao Amor, o corcel e o cavaleiro do soneto de Antero Quental (“Mors-Amor” in Sonetos, 1880). No entanto, a quadratura de Plutão Retrógrado à Lua, estende-se também a Júpiter e a Marte. As relações de poder (Capricórnio-Carneiro) revelam como o cume da identidade é a morte do eu e como a transformação pela força do bem implica sempre uma qualquer forma de destruição, pois, vencida a ignorância, a visão da montanha torna-se também a visão do horizonte.

  Saturno Retrógrado, fazendo do tempo retorno e repetição, lança hexagonalmente os seus raios até à Lua, até Júpiter e Marte, triangularmente até a Mercúrio e quadrangularmente até Vénus e Úrano, até ao Dragão da Lua. O Senhor do Tempo e da Necessidade, do Destino e da Retribuição coloca um peso, uma gravidade reflexiva, sobre aquilo que colectivamente temos feito. A acção recai sobre o julgamento e sobre o desejo de encontrar, no mundo (ou na natureza), entre a vida e a morte, o valor. A forma como temos habitado o planeta Terra, aquilo que produzimos ou a que atribuímos valor, a desmedida da nossa acção, tudo isso estará sob julgamento. Porém, a sentença colectiva não é apenas externa, não surge apenas como efeito, ela é também interna, pois coloca o seu peso na faculdade de julgar, de tecer sob nós próprios a nossa retribuição. O valor e a acção surgem assim sob a égide da Necessidade.

  Colhendo de Mercúrio a faculdade de pensar, a nossa palavra, o nosso espírito livre e crítico, poderá vencer o mal radical que é a ignorância, o que está em harmonia com relação harmoniosa (sextil) entre Mercúrio em Gémeos e a Lua, Júpiter e Marte em Carneiro. Esta é, porém, a palavra tornado acto, o pensamento que se efectiva enquanto força do bem. No entanto, o pensamento terá de encontrar o caminho entre a ilusão e a imaginação, entre os fantasmas do mal e a contemplação do Amor de Deus (quadratura de Mercúrio a Neptuno).  

  O Senhor do Mar, usurpador do trono feminino da Água, colhe benevolamente os raios do Sol (trígono) e de Vénus (sextil) e lança sobre a morte o dom da compaixão, a dádiva da Luz do Amor. Com Úrano em Touro (sextil) e Plutão em Capricórnio (sextil), Neptuno em Peixes cria uma trindade que tem dado forma às grandes mudanças dos nossos tempos. E, passada a fertilização da passagem da Primavera ao Verão, o Fogo agirá como elemento de maturação, tornando doce a fruta recém-brotada. A nobreza da alma (Leão), a luz interna, tornar-se-á assim a ponte entre a origem (Caranguejo) e a colheita (Virgem), integrando a individualidade no tempo colectivo. Da água, emerge o fogo sempre vivo.  

  Em suma, o Verão deve ser vivido como a celebração da luz que fertiliza, porque da Origem surge a dádiva que no tempo se efectiva. Nesta estação, teremos de aprender o valor dos frutos da terra e a importância de uma acção com finalidade.