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quinta-feira, 14 de março de 2019

Unidade Dispersa (Poesia)

Juanes, Juan, Última Ceia, 1475-1545.
Valência: Igreja de São Nicolau de Bari e São Pedro Mártir.


Unidade Dispersa


Como podes ser uno
Se líquido te vertes
Em todas as coisas 

Como podes ser uno
Se longe procuras
O que habita em ti

Como podes ser uno
Se ávido te espalhas 
Na teia da vaidade

Como podes ser uno
Se preferes a poeira
Dos dias à eternidade

Como podes ser uno
Se múltiplo te repartes
E sozinho permaneces

Porque por seres uno
És também a dispersa
Unidade das coisas

20/01/2019

RMdF

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Os Doze Signos do Zodíaco (Poesia)

Miniaturista Francês in Livre des Proprietes des Choses
de Barthelemy l'Anglais (MS Fr. 9140), c. 1480.
Paris: Bibliothèque Nationale.

Os Doze Signos do Zodíaco


De guirlanda a orbe de estrelas 
A regra constante de eclípticas 
Constelações e em dúzia certa 
As fixámos desenhadas no alto 
Céu as linhas que uma luz une 
Concedendo a palavra e o mito 
À longínqua matéria, à visível 
Órbita E assim num só círculo 
Se tornam a conhecida ordem 
Não de ciência mas de sentido


11/01/2019 RMdF

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

O Monstro e o Caminhante (Poesia)


O Monstro e o Caminhante

Canova, Antonio, Teseu e o Minotauro, 1781-83. 
Londres: Victoria and Albert Museum.
Fere o monstro
Leal caminhante
Que sua sombra
Rude te conquista
Sem o alto espírito
Não te deixes cair
Nas afiadas garras
Dos teus temores
Nem no abismo
Dos teus demónios

Fere o monstro
Leal caminhante
Conhece a sombra
Que em ti avança
Sem a nobre alma
Não te deixes cair
Nas firmes teias
De erro e ilusão
De tentacular
Ignorância

Fere o monstro
Leal caminhante
Abraça a sombra
Que é modo de ver
Reflexo de ti mesmo
Sem o santo corpo
Não te deixes cair
Na febre da vaidade
Na trama do desejo
Da ilusão de possuir

Fere o monstro
Leal caminhante
Desfere o golpe
Lança o gume
Que o caminho
Já era teu
E o monstro
És tu

RMdF 01/12/2018

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Iniciação (Poesia)

Aachen, Hans von, Alegoria, 1598. Munique: Alte Pinakothek.
Iniciação

Sê a escada esfumada
Perdida entre as estrelas
A via oculta do peregrino

Sê o raio trovante da fé
Que do crente é símbolo
Concordante via ou sinal

Sê a douta anciã serpente
Da sabedoria viril amante
E do tempo eterno círculo

Vivei pois como agrilhoado
Manso servil espectador

Ou tornai-vos a iniciação
A escada o raio a serpente

02/01/2019
RMdF

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

A Humanidade em Tempos Sombrios (Poesia)

Yáñez de La Almedina, Fernando, Santa Catarina, 1505-10. 
Madrid: Museu do Prado.
A Humanidade em Tempos Sombrios

À minha filha Maria Madalena.

Quando o ódio galgar o humano
Pratica a nobre arte da contenção
Mede a palavra cultiva o pensar
Não dês lume ao fogo ignorante

Quando a ética for apenas nome
Palavra perdida num livro morto
Sê somente o melhor de ti mesma
E não deixes nunca que a sombra
Do passado te devore o amanhã

Quando tudo for líquido superficial
Efémero como a espuma da vaidade
Firma a gravidade no que é eterno
E acredita que sozinha serás o humano

Quando a sombra se estender em ti
Ergue a candeia no obscurantismo
E diante do mal comum ou universal
Sê o colosso da nossa humanidade
Um baluarte de bondade e concórdia

Quando a ignorância semear caminho
Concede o sal à terra e sê a fertilidade
De uma sábia via deixando à história
Às páginas revisitadas a lição do futuro

Quando os tempos forem sombrios
Permite ao Sol a luz da humanidade
E se tudo estiver perdido tombado
Sobre a profundidade do seu abismo
Não te percas tu permanece sempre
Humanamente humana e acredita

RMdF 15/11/2018

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Coração Divinamente Inquieto (Poesia)


Coração Divinamente Inquieto
Bartolomeo, Fra, God the Father with
Sts Catherine of Siena and Mary Magdalena, 1509.
Lucca: Museo Nazionale di Palazzo Mansi.



Como podes ser um estranho
E ser um mistério também
Porque se és um estranho
Não podes ser um mistério
Todo o mistério traz consigo
A intimidade que transcende
Os limites de um pensamento
E se és estranho és o outro
Um outro que nem o amor
Que une em si a terra e o céu
Ou aquela primeva harmonia
Dos opostos dos contrários
Pode na sua solidão enlaçar
É o tempo esse tempo meu
Que é memória e afinidade
Que me conta sussurrando
Que não podes ser estranho
Porque vives firme em mim
Como o fogo da minha alma
O sopro eterno do meu espírito
Mas sendo esse tempo vivente
És também um eterno mistério


RMdF 30/10/2018

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Humano Atlas (Poesia)

Warburg, Aby, The Mnemosyne Atlas, 1929, Painel B.


Humano Atlas


Cartografado o velho mapa
Da imagem e da memória
Repousa no nosso ocaso
Da Mnemósine imensa
O registo desse guardador
Textuante de eleita palavra
E pigmentada representação


RMdF 12/10/2018

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Ekpyrosis da Alma (Poesia)


Cossiers, Jan, Prometheus Carrying Fire, 1637. 
Madrid: Museo del Prado.

Ekpyrosis da Alma



Se brilha a alma
Não sejas lume
Brando e manso


Sê o incêndio
Que conflagra
Terra e gente
De ignorância
Contaminada


Sê o fogo cósmico
Que cria e consome
Que nasce e renasce


Sê o abismo
E a montanha
A paz e a guerra


Sê água e fogo
Dilúvio imenso
Incêndio universal


RMdF 04/09/2018

A Sabedoria não tem Idade (Poesia)

Watteau, Jean-Antoine, A Dança, 1716-18.
Berlim: Staatliche Museen.

A Sabedoria não tem Idade

Vetusta criança 
Que antes de ser
Já de si o era
Que nos lábios
Colheu o passado
A secura do Letes

Doce pueril anciã 
Que do fio tecido
A memória guardou
E sem aquela sombra 
Da morte escura
Ou da vida olvidada
Todo o tempo velou

Venerável petiz
Por não ter anos
Mas sim idades
De ceifar a hora
Eleita e certa
Tornou-se a alma
Prudente e sábia
Negada e simples

Prístina menina
Que ao dançar
Muito recordas
De outras eras
Outras danças
Quando foste
Menina mãe
Viúva Trindade
Como o tempo


RMdF 03/09/2018

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

O Fado do Velho Príamo (Poesia)

Ivanov, Alexander, Príamo a pedir a devolução do Corpo de Heitor, 1824.
Moscovo: Galeria Tretyakov.

O Fado do Velho Príamo

Despojado de si
Crente em Apolo
Indiferente e ledo
Segue suplicante
De Tróia o rei Príamo

Roga ao meio deus
O corpo do filho morto
Ao belicoso carrasco
Implora o recto juízo 
Clama só a justa morte

Na noite da negra Nyx
Espera sem sorte ou arte
Uma prudente luz
Da luminar razão 
E sem nada almejar
Além da morte certa
Suplica a benevolência
De um cruel algoz

Áquiles surpreso decide
Sem puder recusar
Dar o corpo morto
Aos lúgubres lumes
Nem sempre a espada
Move a ilustre coragem
E pode a superna alma
Ter força de falange

Príamo o suplicante
Fez de glória vã
A vitória de Aquiles
E deu ao morto Heitor
A sombra da dignidade

E na noite avançou
Como vazio vulto 
Para a morte próxima
Pras perdidas ruínas 
Da sua nobre cidade

Assim seguiu despojado
De Tróia o rei Príamo

Assim pela morte vai
E à morte regressa

18/08/2018 RMdF

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Desenhar o Corpo Humano (Poesia)

Da Vinci, Leonardo, Estudo das Mãos, c. 1474.
Windsor: Royal Library.
Desenhar o Corpo Humano

Não nem lápis ou carvão
Nem pincel ou pigmento
Nem martelo ou cinzel
Virgem a tela despida
Frio o mármore casto
E apenas com o aparo
E aquele fluído índigo
Se cria a forma informe
Sugerida por símbolos
E conformados sinais
Com traços de alfabeto
E sombras de metáfora
Seguindo sós e textuantes
Esses sulcos de tinta
Na folha alba plantados
Sem rosto ou corpo
Da mão poética gerado
O desenho do corpo humano

08/07/2018 RMdF

terça-feira, 19 de junho de 2018

As Asas do Anjo da História (Poesia)

Klee, Paul, Angelus Novos, 1920.

As Asas do Anjo da História 

E como um tornado de luz
Ou redemoinho de sombra
Tanto o humano seduz
Como o povo assombra
Sem seu trilho ou paisagem
A história é cinza ou poeira
Ora vestígio ora miragem
Pra quem vence soalheira
Dos vencidos sombra extensa
Dos escribas mais que alegoria
Outros julga e de si não pensa
Mas de ninguém os pecados expia

E como memória ou vendaval
Assim segue o anjo a sua via
Como vivente não se torna actual
E no seu coro ou seguia ou caia
Sem sua vontade o vento avança
Ora com força ora com graça 
Das asas vem toda a esperança 
E do humano se afasta a barcaça 
Sobre os estilhaços não há morte
Com o progresso tudo é passagem
É a fé de quem nos dados tira a sorte
Dos outros não deixa de ser viagem

Assim vai o anjo da história 
Assim chega o vendaval
Para o humano sombra ou glória
Da humanidade um outro mal

13/05/2018 RMdF