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segunda-feira, 10 de abril de 2017

O Número de Casamentos segundo Doroteu de Sidon

Doroteu de Sidon
(Século I da E.C.)
Pentateuco 
Ou
Carmen Astrologicum
Livro II, 5
Acerca do Número de Casamentos

Pingree, David (Ed.),
Dorothei Sidonii Carmen Astrologicum, p. 50.

Se se desejar saber com quantas mulheres vai um homem casar, então deve-se marcar do Meio do Céu até Vénus, o número de planetas que estiver entre os dois indica o número de mulheres com quem irá casar, porém, sempre que se encontrar Saturno, deve-se esperar frieza e tensão, e se se encontrar Marte, deve-se esperar a morte, a menos que sobre ele existam aspectos benéficos. Nas natividades das mulheres, se se desejar saber com quantos homens vai casar, então deve-se contar do Meio do Céu até Marte, mas se Marte estiver no Meio do Céu, deve-se contar do Meio do Céu até Júpiter, o número de planetas que estiver entre os dois indica o número de homens com quem vai casar. Se, a partir do Meio do Céu, Vénus estiver cadente, pode-se dizer que existirá pouca constância do homem para com as mulheres, o mesmo se pode afirmar em relação às mulheres se Marte estiver na sétima.

(...)

Doroteu de Sidon, Carmen Astrologicum, II, 5.  Tradução RMdF.


Versão Utilizada:
Pingree, David (Ed.), Dorothei Sidonii Carmen Astrologicum. Leipzig: Teubner, 1976, p. 50 e 204.


 Comentário

   Em teoria, o método apresentado por Doroteu de Sidon sustenta-se num modelo formal e material válido e plausível, todavia a verificação dos seus pressupostos permite que se estabeleçam algumas inconsistências. Em primeiro lugar, deve-se ter em consideração que o modelo é  constituído apenas por sete astros (Sol, Lua, Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno, isso se o Sol e a Lua forem incluídos na designação de planeta), pois Úrano, Neptuno e Plutão ainda não haviam sido descobertos e, uma vez que a astrologia tradicional se fundamenta no que é observável pelo olhar humano, também não devem  ser considerados. Dos sete astros, ainda temos de reduzir um, Vénus para os homens e Marte ou Júpiter para as mulheres. Desta forma, só existem seis astros disponíveis e, como a probabilidade de estarem todos ou quase todos entre o Meio do Céu e o respectivo planeta é limitada, então o número de casamentos possíveis está restringido a um valor pequeno. 

   Este aspecto levanta alguns problemas, sobretudo em casos como, por exemplo, o de Elizabeth Taylor, que casou oito vezes, embora duas delas com Richard Burton. Ora Elizabeth Taylor  tem o Meio do Céu a 14° de Balança e Marte a 1° de Peixes e entre eles estão apenas a Lua e Saturno. Apesar do elemento quantitativo, descrito por Doroteu de Sidon, não se verificar neste caso, o valor do sentido não deixa de ser relevante, pois, por um lado, a presença da Lua e de Saturno aponta para instabilidade emocional e relacional na vida de Elizabeth Taylor como, por outro lado, permite que se estabeleçam interpretações que vinculam, por exemplo, a Lua em Escorpião com a morte de Michael Todd, seu terceiro marido, e a dor dessa perda, bem o peso das dívidas herdadas, e, noutro exemplo, o Saturno em Aquário com a relação tempestuosa com Richard Burton, onde a liberdade emocional de Taylor foi restringida, de tal modo que iniciou uma relacionamento extraconjugal com o Embaixador Iraniano Ardeshir Zahedi. Desta forma, embora o elemento quantitativo produza inconsistências, o valor material e significativo permite que o contributo de Doroteu de Sidon continue actual.

   Um outro aspecto que também deve ser considerado é a natureza do conceito de casamento, que evoluiu ao longo dos tempos. Neste quadro interpretativo de Doroteu de Sidon, deve-se estabelecer como premissa a natureza dos relacionamentos a considerar, onde um mero pressuposto legal pode não ser suficiente. Por exemplo, até ao Sinodo de Whitbey, em 664 E.C., os povos da antiga Bretanha praticavam um casamento, Handfasting, que era celebrado por um ano e um dia, após esse período os esposos decidiam se este continuava ou não. A consumação também pode ser um requisito prévio para constar no número estabelecido por Doroteu de Sidon, bem como qualquer forma de relacionamento íntimo que implique a vida em comum. Ou, por outro lado, deve-se enumerar apenas aqueles que se estabeleceram numa base afectiva genuína?  Esta questão é de suma importância, pois é a sua resposta que permite atestar a veracidade do método proposto.

   Por fim, a questão textual e acerca das fontes também merece alguma atenção. Doroteu de Sidon terá escrito a sua obra entre os anos 25 e 75 da nossa era e, embora fosse originário de Sidon, uma parte significativa da sua vida terá sido passada em Alexandria. O Carmen Astrologicum ou Pentateuco é um texto sobre astrologia, escrito em verso, e que se destaca por ter sido o primeiro texto de que se conhece a incluir as katarchai, as Interrogações ou Eleições, as quais se tornaram em importantes indicadores da actividade dos astrólogos e dos motivos que levavam as pessoas a procurá-los. Doroteu distinguiu-se também de Ptolomeu por incluir as Partes na sua obra. O Carmen Astrologicum tornou-se num texto importante que serviu de fonte para, por exemplo, Heféstion de Tebas e Firmicus Maternus. No Catalogus Codicum Astrologorum Graecgrum (CCAG), podemos encontrar cerca de trezentos fragmentos da obra de Doroteu de Sidon, que serviram de fonte directa para os seus textos, mas foi a partir da edição de David Pingree que pudemos aceder à maioria do Carmen Astrologicum. Essa edição sustenta-se em primeiro lugar nas versões de Abû Hafs 'Umar ibn Farrukhân Tabarî, conhecido no ocidente como Omar Tiberiades, que datam de 800 E.C. e baseiam-se numa tradução pahlavi, ou seja, persa, do século III. Existe também uma outra versão árabe, de cerca de 770 E.C., com um carácter  fragmentário e atribuída a Māshā'allāh, onde encontramos textos que não estão na versão de al Tabarî, mas que estão, em parte nos fragmentos do CCAG. Foi esta concórdia de fontes que permitiu que hoje seja possível aceder à maior parte do Carmen Astrologicum.

   Em suma, a obra de Doroteu de Sidon merece ser lida e pode contribuir para uma fundamentação da linguagem astrológica, que hoje tem uma natureza líquida, dispersa e sem um sistema de sentido que lhe dê forma. A astrologia clássica permite um rigor que na astrologia contemporânea nem sempre existe e a análise ao número de casamentos de Doroteu de Sidon fornece-nos um indicador de estudo que não deve ser desprezado. A sabedoria está em quem procura. 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Algumas Reflexões Mitológicas acerca do Signo de Escorpião

Constelação de Escorpião

Escorpião é o oitavo signo do Zodíaco e forma com Touro o eixo que indica a oposição/complementaridade entre a Vida e a Morte. Na viagem da alma, o Eu conhece os mistérios da criação. O Bíos de Touros une-se ao Thánatos de Escorpião, expressando o sentido da própria natureza. O elemento estrutural da Terra funde-se ao elemento dinâmico que é a Água. 

Na atribuição dos Doze Trabalhos de Herácles a cada um dos signos, Escorpião é simbolizado pela destruição da Hidra de Lerno. A hidra, que, por vezes, é representada como uma serpente, nasceu da relação entre Tífon e Equidna, com corpo de cão e com nove cabeças, umas das quais era imortal. Hera criara este ser com a intenção de matar Herácles. O monstro ameaçava a fertilidade daquela terra e transformara o pântano que lá existia num lugar fétido. A destruição da Hidra tornou-se assim num imperativo, daí que Euristeu fizesse da sua morte um dos trabalhos do herói. Atena, ajudando Herácles, pondera sobre a melhor forma de matar a Hidra. Desta forma, seguindo os conselhos da deusa, Herácles fez com que o monstro deixasse o seu covil. Lançou-lhe flechas em chamas. A Hidra deixou, por fim, o seu refúgio e é nessa altura que o herói a deteve. Tentou feri-la com uma maça, mas em vão, pois sempre que lhe cortava uma cabeça cresciam outras três.
Guido Reni, Hércules derrotando a Hidra de Lerna, 1617-20. Paris: Museu do Louvre. 

Hera não estava satisfeita com a possível morte da criatura e tentou encontrar uma forma de a socorrer. "Um enorme caranguejo irrompeu do pântano para ir ajudar a Hidra, e mordeu os pés de Herácles que, furioso lhe esmagou a casca, gritando ao mesmo tempo por Iolau" (Graves, 476). O amigo do herói e seu companheiro de viagem ateou fogo ao bosque circundante, restringindo assim os movimentos da Hidra. Depois, começaram cauterizar as cabeças cortadas do monstro, impedindo assim que lhe nascessem outras. Héracles percebeu a sua vantagem e, munido da sua espada, cortou a cabeça imortal da Hidra e enterrou-a. Hera, apesar do desagrado, recompensou o caranguejo e colocou-o entre as estrelas, tornando-o o quarto signo do Zodíaco. Euristeu, contrariado pela ajuda de Iolau, deu o trabalho como cumprido.

Junito de Souza Brandão, na sua obra Mitologia Grega, considera que este mito simboliza, por um lado, um ritual aquático, baseando-se na natureza da Hidra, e, por outro, numa superação ou sublimação dos vícios que são representados pela natureza do pântano onde o monstro habitava. Alice A Bailey diz que "Hércules faz três coisas: ele reconhece a existência da hidra, procura pacientemente por ela, e finalmente a destrói. É necessário ter discriminação para reconhecer a sua existência; paciência para descobrir a sua toca; humildade para trazer lodosos fragmentos do subconsciente à superfície, e expô-los à luz da sabedoria." (140).

Em Carneiro, nasce a personalidade, em Leão, a individualidade, mas é em Escorpião que se dá a morte do Ego e o renascimento de um novo ser, um ser integrado num mundo, apto para se aproximar do véu da Sabedoria, condição esta que se dá em Sagitário. Este processo de integração e de realização vai atingir o fim de um ciclo em Peixes, quando se der a fusão do Eu com o plano divino. A individualidade entrega-se à cruz, a centelha une-se ao fogo divino, daí que, em termos elementais, se deva fazer a distinção entre elementos estruturais - Terra e Ar - e elementos dinâmicos - Água e Fogo. É na passagem entre os dois elementos dinâmicos que se operam as grandes transformações. A morte inicia-se na Água e o renascimento atinge o seu auge no Fogo. É nos signos de Água que o Eu encontra as três mortes: em Caranguejo, rompe-se o cordão umbilical da Natureza e nasce a Luz da individualidade; em Escorpião, perece o Ego e a vida instintiva e renasce um novo ser, um Humano preparado para conhecimento de Sophia; e, em Peixes, o Humano sacrifica a sua identidade, unindo-se à origem, e renasce uno com Deus.

A morte que ocorre em Escorpião está também intimamente ligada com a união sexual, daí que seja neste signo que o binómio Amor e Morte tenha a sua maior expressão. Em Touro, o amor é Vénus e, em Escorpião, é Marte. É importante fazer esta distinção, pois é através dela que se compreende a grande diferença nas pulsões sexuais. Escorpião é a sede do desejo e do instinto, é uma natureza sem rédeas, nem freios. O mito de Herácles e da Hidra refere também essa ligação à natureza através da inclusão de um caranguejo na sua história. Em Caranguejo, a Natureza opera em silêncio e cria a vida, já em Escorpião, a natureza apresenta-se na sua dimensão destruidora, ela é o vulcão que entra em erupção. A destruição e a morte que são próprios deste signo não são um fim em si mesmo, são sim uma condição de possibilidade, um processo de transformação.

Outro mito que é inseparável da natureza de Escorpião é o do Órion. Órion era um caçador da Híria, filho de Posídon e de Euríale, e um homem de beleza imensa. A certa altura, quando chegou à ilha de Quios, Órion apaixonou-se por Mérope, filha de Enópion e neta do deus Diónysos. Enópion disse que daria a mão da sua filha, se o famoso caçador matasse todas as feras que ameaçavam as redondezas. Órion cumpriu a tarefa. Porém, Enópion, que queria Mérope para si, argumentou, referindo que ainda existiam leões, ursos, lobos e outros animais perigosos. Órion sentiu-se desmotivado por uma  tarefa sem fim e, numa certa noite, depois de ter bebido demais, entrou no quarto de Mérope e forçou a união. Enópion, furioso, pediu a Diónysos que o vingasse. O deus do entusiasmo ordenou que um grupo de sátiros o embebedassem. Órion estava quase inconsciente e, nesse momento, Enópion abeirou-se do herói e arrancou-lhes os olhos e abandonou-o. Órion para recuperar a visão teria de viajar para este e vislumbrar Hélios de frente, teria de se deixar banhar pelo Sol nascente. O caçador assim o fez. Apolo, que tinha ciúmes do herói pela sua recente união com Eos, fez com que Gaia enviasse um escorpião gigante para o eliminar. Órion lutou com o perigosos animal, mas foi incapaz de o ferir. Teve, portante, de fugir, de lançar-se ao mar e nadar para longe. Apolo, temendo que a irmã Ártemis se apaixonasse por Órion, tal como acontecera com Eos, criou um embuste. Disse a Ártemis que aquele que nadava, lá ao longe, era o devasso que seduzira uma das suas sacerdotisas hiperbóreas, depois desafiou-a, perguntando-lhe se era capaz de o matar com uma seta certeira, desferida do seu arco preciso. Ártemis assim o fez. Quando percebeu o engano, lamentou a morte do herói e pediu a Asclépio para o ressuscitar, mas Zeus impediu-o. Desta forma, a única forma de recompensa foi colocá-lo no céu, entre as estrelas, juntamente com o escorpião que o perseguiu.    

Este dois mitos, aos quais ainda se podia juntar o de Orfeu e de Eurídice, têm elementos comuns que são fundamentais para compreensão do signo de Escorpião. O sexo, a violência, a luta, os desafios, a morte e o renascimento são características que se fundem e que, juntas, confirmam a natureza deste senhor do Zodíaco. 

O peregrino do Zodíaco, o Eu em viagem, enfrenta o grande desafio, a luta pela sua identidade. Para sair vitorioso, tem de perder o que trazia consigo. O medo, os vícios, as prisões do Ego têm de ser eliminadas. É então que o herói enfrenta a morte, a sua própria morte, só assim poderá renascer. E este renascimento, esta conquista da Luz só é possível com a ajuda da Deusa. O arquétipo feminino é a luz no caminho, a recompensa no termo da viagem.   



Bibliografia:
Bailey, Alice A., Os Trabalhos de Hércules. Tradução J. Treiger. Niterói (Rio de Janeiro - Brasil): Fundação Avatar, 2008.
Brandão, Junito de Souza, Mitologia Grega, 3 Volumes. Petrópolis (Brasil): Editora Vozes, 2007.
Graves, Robert, Os Mitos Gregos. Tradução Fernanda Branco. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 3ª Edição, 2004.
Sicuteri, Roberto, Astrologia e Mito. Tradução Pier Luigi Cabra. São Paulo (Brasil): Editora Pensamento, 1994. 

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Eurínome: Deusa de Todas as Coisas e Origem das Sete Potências Planetárias


"No princípio, Eurínome, Deusa de Todas as Coisas, brotou nua do Caos, mas não vendo substância em redor onde firmar os pés, apartou do céu o mar, dançando solitária por sobre as suas ondas. Ao dançar para o sul, descobriu no vento, que se soltava para trás de si  e a cada passo seu, qualquer coisa de novo e distinto com que iniciar um acto de criação. Movendo-se, ondulante, estreitou nos braços esse vento norte, deixou-o deslizar-lhe por entre as mãos, e subitamente viu diante dela Ofião, a grande serpente. Eurínome dançava para aquecer-se, com tão selvático e crescente frenesi que fez Ofião, lúbrico de natureza, enrolar-se naqueles membros divinos, e tomado de desejo unir-se a ela. (...)
Depois ela tomou a forma de pomba e foi incubar por sobre a superfície das águas, e cumprindo-se o tempo, pôs o Ovo Universal. Por ordem dela se enrolou Ofião sete vezes em torno desse ovo, o qual se rompeu e dividiu em dois. Dele brotaram, desordenadamente, todas as coisas que existem e que são a prole dela: o sol, a lua, os planetas, as estrelas, a terra e as suas montanhas, seus rios, suas árvores, e todos os seres vivos.
(...)
A seguir, criou a deusa as sete potências planetárias, pondo à cabeça de cada uma dela um Titã e uma Titânide: Teia e Hiperião reinavam sobre o Sol; Febe e Atlas sobre a Lua; Dione e Crio sobre o planeta Marte; Métis e Ceos sobre Mercúrio; Témis e Eurimedonte sobre o planeta Júpiter; Tétis e Oceano sobre Vénus; Reia e Crono sobre Saturno. O primeiro homem, porém, foi Pelasgo, antepassado dos Pelasgos; nasceu do solo da Arcádia, e outros o seguiram, aos quais ensinou a construir cabanas, a nutrirem-se de glandes, e a coser túnicas de pele de porco, iguais às que usam as gentes pobres de Eubeia e da Fócida."

Robert Graves, Os Mitos Gregos, pp. 33-34. Tradução Fernanda Branco. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 3ª Edição, 2004.