quarta-feira, 17 de maio de 2017

A Natureza da Imperatriz

A Imperatriz
Tarot Rider-Waite

A Imperatriz é o princípio do amor, a síntese dos contrários, o terceiro elemento que reune o que estava apartado.

A Imperatriz é a natureza criada e criadora, a criação com sentido e caminho.

A Imperatriz é a Estrela da Manhã, única no céu estrelado e distinta no seu ciclo de outra estrela, desenhada no seu percurso.

A Imperatriz é a colheita da semente da Sacerdotisa, o gérmen da sabedoria, é a bênção da terra, ofertada à vida e à morte.

A Imperatriz é filha do seu pai, irmã do seu amante e mãe do seu marido, é múltipla como o universo, é a mesma sob várias formas.

A Imperatriz é o corpo da mulher, que é terra e mar, e é o trono de todos os soberanos, o primeiro poder, que é linha e vida.

A Imperatriz é magia e mistério, é o segredo que guarda a vida, a síntese de uma obra de passagem.

terça-feira, 9 de maio de 2017

Giordano Bruno, a sua Obra e a sua Sentença

Estátua de Giordano Bruno, Campo di Fiori, Roma.

  Giordano Bruno, o filósofo que foi condenado à fogueira pela Inquisição e que morreu, em agonia, a 17 de Fevereiro de 1600, afirmou o seguinte perante os seus alcozes: "Maiori forsan cum timore sententiam in me furtis quam ego accipium" (Será maior o vosso temor em pronunciar esta sentença que o meu em aceitá-la). A acusação de Bruno sustentava-se em oito acusações de heresia: crença que a transubstanciação do pão em carne e do vinho em sangue era falsa; crença que o nascimento virginal era impossível; sustentar opiniões contrárias à fé católica e contestar os seus ministros; sustentar opiniões contrárias à fé católica sobre a Trindade, a divindade de Cristo e a encarnação; sustentar opiniões contrárias à fé católica sobre Jesus como Cristo; convicção que vivemos num universo infinito e que existem inúmeros mundos, nos quais criaturas como nós podem viver e venerar os seus próprios deuses; acreditar na metempsicose e na transmigração da alma humana para seres inferiores; e o envolvimento em magia e adivinhação.

  Não se pode dizer que as acusações tinham a mentira na sua génese, no entanto, a liberdade que Giordano Bruno atribuía à sua capacidade de inquirir e de indagar era a mesma liberdade que fluía nas suas teses, logo o seu pensamento não podia percorrer outra via que não fosse aquele de quem era inimigo do paradigma vigente. A oposição ao comum tem sempre um preço a pagar. Giordano Bruno, antes de morrer na fogueira, esteve preso de 23 de Maio de 1592 até 17 de Fevereiro de 1600, quase oito anos. Se o Renascimento começou com Nicolau de Cusa, terminou com Giordano Bruno. A sua filosofia dinâmica pode não ser genial, mas representa uma transformação no pensamento que se desenvolverá até ao Iluminismo e nalguns aspectos foi radicalmente inovadora. A sua concepção de um universo infinito e o seu esboço de uma teoria da relatividade, bem como a sua independência face à filosofia natural de Aristóteles, deixaram marcas que influenciaram os tempos que a ele se seguiram.

  O Nolano tornou-se um exemplo das consequências da intolerância e do quanto a liberdade de expressão é uma necessidade. A condenação de Giordano Bruno é hoje uma imagem do perigo das ruínas do pensamento, quando a fé se torna num incêndio que consome a humanidade. É também que salientar que um dos seus algozes, o mesmo que também esteve no julgamento de Galileu, Roberto Belarmino, tornou-se santo em 1930, pela mão de Pio XI. Quando a liberdade é ferida, Bruno é a memória do que deve ser um ponto de não retorno. A autoridade não pode nunca minar a liberdade de pensar e a liberdade de expressão.   

Obra em Italiano:
  • Candelaio, 1582;
  • La cena de le ceneri, 1584;
  • De la causa, principio e uno, 1584;
  • De l'infinito, universo e mondi, 1584;
  • Spacio de la bestia trionfante, 1584;
  • Cabala del cavallo Pegaseo con l'aggiunta dell'Asino Cillenico, 1585;
  • De gli eroici furori, 1585.                                                                                            
Obra em Latim:
  • De umbris idearum, 1582;
  • Cantus Circaeus ad memoriae praxim ordinatus, 1582;
  • De compendiosa architectura et complemento artis Lullii, 1582;
  • Explicatio triginta sigillorum et Sigilli sigillorum, 1583;
  • Figuratio aristotelici physci auditus, 1586;
  • Dialogi duo de Fabricii Mordentis Salernitani prope divina adinventione, 1586;
  • Dialogi. Idiota triumphans. De somnii interpretatione. Mordentius. De Mordentii circino, 1586;
  • Centum et viginti articuli de natura et mundo adversus Peripateticos, 1586;
  • De lampade combinatoria lulliana, 1587;
  • De progressu et lampade venatoria logicorum, 1587;
  • Oratio valedictoria, 1588;
  • Camoeracensis Acrotismus seu rationes articulorum physicorum adversus Peripateticos, 1588;
  • De specierum scrutinio et lampade combinatoria Raymundi Lullii, 1588;
  • Articuli centum et sexaginta adversus huius tempestatis mathematicos atque philosophos, 1588;
  • Oratio consolatoria, 1589;
  • De triplici minimo et mensura, 1591;
  • De monade, numero et figura, 1591;
  • De innumerabilibus, immenso et infigurabili, 1591;
  • De imaginum, signorum et idearum compositione, 1591;
  • Summa terminorum metaphysicorum, 1609;
  • Artificium perorandi, 1612;
  • Animadversiones circa lampadem lullianam, 1586;
  • Lampas triginta statuaram, 1591;
  • Libri physicorum Aristotelis explanati, 1588;
  • De magia, 1589-1590;
  • Theses de magia, 1591;
  • De magia mathematica,1589-1590;
  • De rerum principiis, elementis et causis, 1589-1590;
  • Medicina lulliana, 1589-1590;
  • De vinculis in genere, 1591;
  • Praelectiones geometricae, 1591;
  • Ars deformationum, 1591.
Obra Completa de Giordano Bruno: http://bibliotecaideale.filosofia.sns.it/index.php

Obras Traduzidas para Português:
  • Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos, 6ª Edição, 2011. Introdução de  Victor Matos e Sá e tradução, notas e bibliografia de Aura Montenegro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
  • Tratado de Magia, 2007. Introdução, tradução e notas de Rui Tavares. Lisboa: Tinta da China.

terça-feira, 2 de maio de 2017

Acerca dos Signos Masculinos e Femininos segundo Ptolomeu (Excerto)

Ptolomeu
(c.90 E.C. - c.168 E.C.)


Tetrabiblos, I, 12.

Acerca dos Signos Masculinos e Femininos


  Uma vez mais e de igual forma, elegeram seis dos doze signos como sendo de uma natureza masculina e diurna e, em igual número, como de uma feminina e nocturna. Uma outra regra foi-lhes atribuída, pois o dia desperta sempre da noite e próxima dela, tal como a fêmea do macho. Assim, por as razões já mencionadas, Carneiro é considerado o ponto de origem e, como o macho também governa e detém o primado, uma vez que, em força, o activo é sempre superior ao passivo, os signos de Carneiro e Balança são designados como masculinos e diurnos. Simultaneamente, uma outra razão detém-se no facto de que o círculo equinocial, delineado através deles, completa o primeiro e mais poderoso movimento de todo o universo. Os signos que a eles se sucedem, tal como já afirmámos, correspondem a uma outra disposição.

  No entanto, outros refutam esta regra dos signos masculinos e femininos, defendendo que o masculino começa no signo ascendente, designado por Horóscopo. Do mesmo modo que, para alguns, os signos solsticiais iniciam-se no signo lunar, uma vez que a Lua muda de direcção de uma forma mais rápida que os restantes. Desta forma, inauguram os signos masculinos com o Ascendente (Horóscopo), pois é aquele que está  mais a Leste, ora alguns, como já referido, recorrem a uma regra alternada de signos e outros dividiram-nos pelos quadrantes, designando como matutinos e masculinos os signos do quadrante que vai do Ascendente (Horóscopo) ao  Meio do Céu e aqueles do quadrante oposto, do Descendente ao Fundo do Céu (Fundo da Terra ou Baixo Meio do Céu), e os dos outros dois quadrantes como vespertinos e femininos. 

  Acrescentaram também outras descrições aos signos, resultantes da sua representação. Refiro-me, por exemplo, a "de quatro patas", "terrestres", "dominantes" e ""férteis", bem como de outras ordens similares. Estas, dado que a sua razão e significado derivam directamente de  si, consideramos supérfluas de elencar, visto que a qualidade das configurações pode ser expressa nas previsões, se se revelar relevante e útil.

Tradução do Grego RMdF


Edições Utilizadas:
  • Hübner, Wolfgang, Claudii Ptolemaei opera quae exstant omnia, Vol. 3, 1, Apotelesmatika. Estugarda e Leipzig: B. G. Teubner, 1998, pp. 48-51.
  • Robbins, Frank Eggleston, Ptolemy - Tetrabiblos. Cambridge (Mass.) e Londres: Harvard University Press e William Heinemann Ltd., 1964, pp. 68-71.


Comentário

  A leitura atenta do Tetrabiblos pode muito bem representar o marco entre um astrólogo sério, que prefere o estudo às opiniões vãs, e o astrólogo que se sustenta na fama dos seus mestres e no conhecimento opinativo, desprovido de rigor e sem um sistema de sentido coerente e aprofundado. Desde que foi escrito, entre os anos 145 e 168 da Era Comum, foi a obra astrológica mais citada e que serviu de base para todos os desenvolvimentos futuros. Até meados do Século XVII, o conhecimento  astrológico, expresso por Ptolomeu, ainda era ensinado nas universidades. 

  No início do Tetrabiblos, o sábio grego descreve o seu propósito inaugural, estabelecer um sistema de "astronomías prognôsticón", ou seja, tecer prognósticos ou previsões a partir do conhecimento astronómico. A astrologia é um processo de transferência de sentido entre os efeitos do universo na humanidade e no seu mundo e a sua interpretação, daí que a astrologia seja uma forma de linguagem. Esta definição de astrologia pode ser aplicada ao tempo de Ptolomeu se tivermos em consideração que a astronomia/astrologia era uma ciência que pertencia ao domínio da filosofia natural, logo antes de ser ciência era uma linguagem filosófica. Por outro lado, a astrologia, como forma de analisar o humano enquanto categoria filosófica, é uma síntese da psicologia clássica, daí que se diga que existe uma simbiose entre o Almagesto e o Tetrabiblos. Se um procura o fenómeno, o outro detém-se no valor do fenómeno e no modo como se relaciona com o humano.

  A questão textual é também de suma importância, pois, apesar de não termos um manuscrito do Tetrabiblos da época em que foi escrito, as citações e versões posteriores vêem corroborar o seu valor e a sua importância. Heféstion de Tebas, cerca de duzentos anos após a morte de Ptolomeu, cita-o com frequência e faz da sua obra, juntamente com a de Doroteu de Sidon, as suas principais referências. Aliás a sua obra, Apotelesmatika, e as suas citações do Tetrabiblos servem ainda hoje para validar e verificar traduções e versões posteriores. A primeira das quais, pelo menos a primeira que merece nota, é a de Hunayn ibn Ishaq, datada do século IX. O Califa Abássida al-Ma'mūn colocou Hunayn ibn Ishaq como responsável da Casa da Sabedoria, Bayt al Hiknak, um centro cultural em Bagdad, que é hoje representativo da Era de Ouro Islâmica e onde os textos gregos eram traduzidos para sírio e árabe. Foi, sobretudo, este esforço de preservação da sabedoria clássica que permitiu que hoje tenhamos acesso aos textos, bem como possibilitou o neoclassicismo do Renascimento. 

  A Paráfrase de um Pseudo-Proclo, escrita no século V e da qual existe um manuscrito do século X, é o mais antigo elemento textual completo que dispomos e, embora seja uma apresentação simplificada do texto original, foi predominante onde as versões do árabe tiveram menor presença. Por outro lado, a presença árabe na Península Ibérica permitiu a tradução para latim da obra de Ptolomeu. A primeira tradução que se conhece que foi elaborada por Plato de Tivoli e Gerardo de Cremona, em Barcelona, no ano de 1138. Em 1206, foi feita uma nova tradução a partir de fontes árabes, mas de autor anónimo. Do grego para o latim, é de salientar a tradução de Hermann da Dalmácia e, no século XIII, também tem de se referir a de Aegidius de Thebaldis. A maioria das edições que circulavam, tanto no mundo árabe como na cristandade, incluíam o comentário do século XI de Ali ibn Ridwan. Foi este imperioso esforço de tradução e a vontade de conhecimento que levou a que, no século XVI, o Tetrabiblos fosse levado à estampa, por Camerarius no ano de 1535, em Nuremberga, e no de 1553, em Basileia, e por Junctinus no ano de 1581, em Leiden.

  Em vernáculo, a primeira tradução que se conhece é francesa e foi realizado sob o patrocínio de Carlos V. Desta tradução, existe um manuscrito que data de 1363. Apesar de não se conhecer, na Península Ibérica, uma tradução para castelhano ou português, o trabalho da Escola de Toledo produziu, a mando de Afonso X, uma súmula, Libros del Saber de Astronomia, com os contributos de astrónomos/astrólogos árabes, judeus e cristãos que relavam o conhecimento e influência do Tetrabiblos. É também de frisar que esta obra foi oferecida por Afonso X ao seu neto, o rei D. Dinis de Portugal. O Tetrabiblos cedo se tornou a bíblia da astrologia e a sua importância só foi mitigada no século XIX, em pleno domínio positivista, quando a sua autoria foi posta em causa, pois o racionalismo totalitário não permitia que uma obra de astrologia fosse da autoria de Ptolomeu, um cientista. Foi esse mesmo obscurantismo que fez com que astrologia fosse purgada da vida e obra de homens como, por exemplo, Kepler ou Newton.

  Outro aspecto textual de relevo é o título. A obra comummente conhecida como Tetrabiblos ou, pela versão latina, Quadripartitum, aponta para o número de livros que o compõem, quatro. Porém, na introdução, Robbins indica o que seria o seu título completo, isto porque ele não é indicado pelo autor. Segundo Robbins, o título mais adequado seria: Mathematikê Tetrábiblos Sýntaxis, ou seja, Tratado de Matemática em Quatro Livros. Este título revela a proximidade conceptual entre a astrologia e a matemática, que, na esteira de Platão, é condição para a aprendizagem da filosofia. No entanto, Hübner, a partir da primeira frase do tratado, "tó pròs Sýron apotelesmatiká", propõe o título Apotelesmatika, que aliás é comum a várias obras de astrologia, designando um tratado acerca do efeito das estrelas no destino humano.

  O capítulo aqui traduzido revela uma escolha, um modo de representar a forma como a astrologia interpreta a realidade. O masculino e o feminino indicam, nesta passagem, o processo de tradução da polaridade natural para uma estrutura de sentido. Os opostos podem apresentar-se tanto como elementos metafísicos, como princípios naturais, daí que a análise dos signos masculinos e femininos não se limite à presunção biológica de macho ou fêmea. A astrologia divide os signos tal como a realidade separa as naturezas contrárias, almejando encontrar a sua harmonia. Porém, a vinculação de um signo a um género não é nem simples, nem redutora, uma vez que são as especificidades de um signo que definem a sua natureza masculina ou feminina. Por exemplo, o eixo equinocial (hisêmerinós), expresso pelos signos de Carneiro e Balança, assume uma natureza masculina, todavia a expressão masculina de Carneiro e Balança é distinta. Marte, um planeta masculino, em Carneiro, está no seu domicílio diurno, mas, em Balança, está em exílio, logo a sua expressão masculina é débil, pois é regido por Vénus, um planeta feminino. O mesmo pode ser aplicado ao eixo solsticial (tropikós), uma vez que Marte esta em exaltação em Capricórnio e em queda em Caranguejo, ambos signos femininos. Desta forma, podemos dizer que a natureza dominante, leia-se, segundo o texto, masculina, é mais forte em Capricórnio, embora feminino, que em Balança. Daqui se depreende que as categorias masculino e feminino não se reduzem a uma mera atribuição linear.

(...)
Fim do Excerto