segunda-feira, 23 de abril de 2018

Os 7 Sistemas de Termos da Astrologia Antiga (3): Sistema Egípcio


   O sistema egípcio de termos, contrariando uma ideia errónea que se estendeu do final da era de ouro da astrologia árabe até William Lilly, foi o mais consensual, não só pelas suas origens tradicionais como também pela sua profundidade na doutrina astrológica. Este é o sistema defendido por Doroteu de Sidon, quiçá o astrólogo mais influente de toda a antiguidade. Um outro factor que impera na sua opção é que se a Babilónia foi o berço da astronomia e da astromancia, o Egipto foi a casa da astrologia. Alexandria é por excelência a cidade dos astrólogos. Porém, é um erro assumir-se que as civilizações e as culturas se cingem ao seu pedaço de terra, pois, por exemplo, após o fim do império caldeu, em 539 A.E.C., o termo caldeu passou a ser utilizado como sinónimo de astrólogo, independentemente da sua origem geográfica, daí a persistência de alguma confusão. As tabuletas babilónicas estudadas por Jones e Steele seguem essa ideia de interculturalidade astrológica e lançam um outro olhar sob os termos.

   A tradição tende a atribuir a génese deste sistema a Nechepso e a Petosíris. O fragmento 3 da edição de Riess aponta para esse sentido: E, dessa forma, Apolinário está entre os que discordam da disposição dos termos de Ptolomeu, de tanto Trasilo como Petosíris e dos outros antigos (trad. do grego). Neste fragmento, encontra-se também uma pista para o esclarecimento de algumas das dúvidas de Ptolomeu em relação a este sistema. O texto quando diz kaì amphóteroi pròs Thrásyllon kaì Petósiron, esforça-se por mostrar que ambos seguiam a mesma disposição de termos. Ptolomeu critica este sistema por não seguir nenhuma ordem para as planetas, como a versão caldaica mais comum (I, 20), todavia a sequência inaugural de termos, ou seja, os que definem Carneiro já é por si o princípio conceptual de uma ordem. A formulação Júpiter-Vénus-Mercúrio-Marte-Saturno revela uma clara distinção entre os benéficos e os maléficos, tendo Mercúrio como intermediário. Ora o sumário da obra Pínax de Trasilo (CCAG VIII, 3: 99-101), aquando da descrição do dodekatópos, expressa um princípio idêntico, pois coloca Mercúrio no Ascendente, na linha do horizonte, Vénus e Júpiter no eixo das Casas V e XI e Marte e Saturno no eixo das casas VI e XII, ou seja, separa os benéficos e os maléficos. No entanto, o sumário de Trasilo, e provavelmente a concepção original dos termos de Nechepso e Petosíris, firma-se no princípio da haíresis, na divisão por segmento ou condição, a qual pressupõe uma natural harmonia dos opostos e uma regra de complementaridade. É nesse sentido, embora com um predomínio dos benefícios, que a soma dos graus perfaz o total do círculo e se associa com os anos planetários.

Júpiter - 79
Vénus - 82
Mercúrio - 76
Marte - 66
Saturno - 57

   Esta verificação de pressupostos leva também a que se compreenda a intenção de Critodemo no seu sistema de termos, ou seja, o esforço de conciliar este com outro método de divisão da eclíptica. A concepção, enraizada nos fundamentos da astrologia, de dividir e atribuir um sentido aos graus do círculo da eclíptica, de dar um carácter, um sentido ao destino, visto que a palavra grega para grau é moira, é uma criação de génese egípcia e desenvolvimento grego-egípcio. Esse é o espírito dos termos egípcios, algo que Ptolomeu não compreendeu, pois o seu aristotelismo impediu-o de ir para além das suas categorias. É porventura por essa razão que os seus termos não foram acolhidos pelos astrólogos do seu tempo, à excepção de Heféstion de Tebas e mais de dois séculos após a sua morte. O neoplatonismo e o estoicismo serviram melhor a construção de um sistema astrológico. O sistema egípcio, apesar de algumas inconsistências, é o mais comum, encontramo-lo parcialmente nas tabuletas babilónicas e em papiros demóticos (P. CtYBR inv. 1132 B), bem como em quase todos os astrólogos da antiguidade.

sábado, 21 de abril de 2018

Os 7 Sistemas de Termos da Astrologia Antiga (2): Critodemo


   Critodemo, de quem pouco se sabe, pode contudo ser colocado entre os últimas décadas do Século I A.E.C e as primeiras do Século I da Era Comum. No entanto, o esforço de datação não é nem simples, nem unânime. Plínio, que completou a sua História Natural em 77 E.C., designa a sua influência nos Livros II e III e, no Livro VII, menciona-o, juntamente com Beroso, em relação a uma fictícia cronologia da Babilónia, a qual consagra aos seus sacerdotes 490 000 anos de observação astronómica. O esforço de o aproximar à astrologia babilónia pode porém resultar mais de um reflexo de uma tradição que de uma influência de facto. Naturalmente, até por razões históricas, militares e políticas, existiu uma miscigenação de conhecimentos, mas os fragmentos de Critodemo apontam mais para a influência egípcia. O seu sistema de termos é uma estrutura conceptual de passagem entre os termos e os decanatos egípcios. A reconstrução que Pingree faz deste sistema alude também a uma relação com o P. Oxy 3, 465, onde, na esteira dos decanos egípcios, existem seres demiúrgicos que presidem a cada arco de 5° (Yavanajātaka, II: 212). 

   A principal fonte de Critodemo é Vétio Valente. Por outro lado, Neugebauer e Van Hoesen dizem que Critodemo "parece ser uma das suas (Valente) mais importantes fontes depois de Nechepso-Petosíris" (Greek Horoscopes: 185). Valente aborda o legado de Critodemo de duas formas: em primeiro lugar, apresenta um sumário da sua obra Hórasis (Visão), a qual atribui um estilo obscuro e artificial (III, 12, surge também pela mão de um autor anónimo no cod. Paris 2425, CCAG VIII, 3: 102) e, em segundo lugar, inclui fragmentos de doutrinas astrológicas específicas, destas pode-se destacar, por exemplo, o fragmento que explora a morte violenta, pois este inclui onze horóscopos, datados entre 65 e 123 da Era Comum, contribuindo assim para a sua fixação temporal (II, 41, este surge também em Retório, CCAG VIII, 4: 199, 15 - 202,10). A influência de Critodemo alcança o Liber Hermetis, sendo o seu Capítulo 25, respeitante aos termos, um desenvolvimento em latim de um excerto em grego (CCAG VIII, 1: 257, 21 - 261,2). Ora esta referência aos termos pode indicar uma confusão entre o sistema de termos de Critodemo, referido em Valente (VII, 8) e reconstruído por Pingree (Yavanajātaka, II: 212-13) e a abordagem do próprio Critodemo aos termos egípcios, daí que, por exemplo, Schmidt e Hand traduzam os termos egípcios atribuídos a Critodemo e presentes no compêndio de Achmet, o Persa, como sendo o seu sistema de termos (The Astrological Records of the Early Sages: 53-57).

   O sistema de termos de Critodemo é acima de tudo, e como já foi referido, uma estrutura conceptual de passagem entre os termos e os decanatos egípcios.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Os 7 Sistemas de Termos da Astrologia Antiga (1): P. CtYBR inv. 1132 (B)


   Segundo Bohleke, este papiro mostra os termos em língua demótica, o que, juntamente com outras fontes em papiro ou ostraca, revela que estes, bem como os cardinais ou pontos cardeais, os planetas, os signos, as casas, as partes e as triplicidades, pertenciam também à língua mãe egípcia, ou seja, existia um sistema astrológico egípcio nativo. Embora a datação paleográfica aponte para os séculos II e III E.C., a sua proveniência geográfica sustenta a tese base. O papiro provém de Tebtunis, uma cidade fundada por Amenemés III (XII Dinastia), em cerca de 1800 A.E.C., mas que floresceu no período ptolemaico. Os seus templos, em especial o dedicado a Sobek, tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da prática astrológica. Para Bohleke, este sistema de termos colocar-se-ia entre o sistema egípcio e o de Critodemo, podendo inclusive ter servido de base para este último. Desta forma, é inequívoca a necessidade de o incluir no núcleo de sistemas a analisar. 

segunda-feira, 2 de abril de 2018

A Viagem do Carro

O Carro
Tarot Rider-Waite

O Carro é caminho e peregrinação, é aquele fio universal, sem começo, nem fim, que cinge a morte e liberta a vida,  é mudança e passagem.

O Carro é a alma alada que dança no céu da verdade e mergulha no abismo da sua natureza, que avança, sem medo, ou é arrastada pela fúria dos corcéis.

O Carro é escolha e seta, é alvo e caminho, é aquele domínio que se firma, não sobre os sulcos e rochas da via eleita, mas sim sobre a força ténue da vontade.

O Carro é a união no espírito dos dois demiurgos: o que trilha o caminho das estrelas e o outro que, por natureza ou necessidade, eclipsa o próprio Sol.

O Carro é o movimento interno onde o Eu já não avança sem o Si, pois a Alma não pode pairar na superfície, precisa de habitar as suas profundezas.

O Carro é aquele que, liberto do excesso de si, se purifica na água e se deixa iluminar pelo fogo e assim se une ao todo num caminho triunfal.

O Carro é o humano que avança, determinado e vitorioso, por cima das ruínas da discórdia e desarmonia, tornando-se mestre de si mesmo.

sexta-feira, 30 de março de 2018

A Roda da Fortuna ou o Fuso da Necessidade

A Roda da Fortuna
Tarot Rider-Waite

A Roda da Fortuna é o símbolo régio do poder que não promove a sorte, mas sim a justa medida da necessidade.

A Roda da Fortuna é a imagem da máxima do Efésio que diz que o carácter do ser humano é o seu destino.

A Roda da Fortuna é a revelação do enigma do tempo que reúne num e no mesmo o caminho a subir e a descer.

A Roda da Fortuna é o círculo da evolução que, girando no fuso da necessidade, determina a queda e a salvação.

A Roda da Fortuna é a representação de um processo natural no qual a divindade e a natureza se unem num só sentido.

A Roda da Fortuna é o conhecimento da realidade que decreta que a evolução da alma é também um processo de selecção.

A Roda da Fortuna é o símbolo de tudo o que diz e esconde, do que sugere e oculta, é o Eterno Feminino que nos atrai ao centro.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Para uma Introdução à Obra Astrológica de Ibn Ezra



     Abraham ben Meir ibn Ezra foi um rabi e um sábio que terá nascido por volta de 1089, em Tuleda, e vivido uma parte da sua vida na Espanha Árabe. Nesse período, pôde receber a herança da Idade de Ouro Muçulmana, a qual teve como símbolo máximo a Casa da Sabedoria de Bagdade. Ibn Ezra viveu até cerca dos seus cinquenta anos sobretudo da poesia e da sua facilidade em estabelecer relações pluriculturais. Porém, deixou Espanha antes de se iniciar  a perseguição aos judeus, em 1149, pelo novo regime político Almóada. A partir desse momento, teve uma vida itinerante. Ora é nesse período que produziu a sua obra astrológica, a par da exegese e comentário do Pentateuco e das obras de gramática e poesia. Da obra poética, temos de destacar Tikun Leil Tet Be' Av Kinah, cujo manuscrito se encontra na Biblioteca Nacional de Portugal, tendo pertencido a António Ribeiro dos Santos e anteriormente a Frei Manuel do Cenáculo. Das noventa e seis elegias que constam no manuscrito, a última dedica-se à Tomada de Lisboa, em 1147, por Afonso Henriques. 

     Em termos filosóficos, que aliás serviram a sua obra astrológica, a universalidade de Ibn Ezra foi um dos principais eixos do seu pensamento, permitindo-lhe a conciliação entre tradição hebraica, árabe e cristã, sem que isso comprometesse a sua religiosidade. Ibn Ezra, embora tenho sido colocado por alguns como antecessor de Maimónides na tradição aristotélica judaica, a maioria tende a defini-lo como neoplatónico. Em alguns dos seus livros, encontramos uma influência pitagórica. Contudo, a sua obra não inclui textos estritamente filosóficos. As obras que se podem considerar mais filosóficas são duas composições poéticas, a primeira das quais uma alegoria: Hayy ben Meqitz e Arugat ha-Bosem. Porém, é na obra Yesod Mora que encontramos uma noção inovadora no pensamento teológico de Ibn Ezra: a salvação é um processo individual e não dependente da eleição de um povo. O individualismo escatológico de Ibn Ezra serve na só o seu pensamento transcultural, mas também o seu sistema astrológico. É esse aspecto que o leva defender que a prática astrológica é concordante com a vontade de Deus.

     A vida itinerante de Ibn Ezra levou-o à Terra Santa, ao Norte África, nomeadamente ao Egipto, a Roma, Lucca, Mântua, Verona, ao Sul de França, Narbonne e Béziers, no Norte, a Rouen, a Inglaterra, Londres e Oxford e, no fim da sua vida, de volta a Espanha, a Calahorra, na fronteira entre Navarra e a Catalunha. Foi nessas viagens que produziu a sua obra, em particular, a sua obra astrológica que foi concluída em Béziers, em 1148. Ora é devido à sua vida de sábio errante que nos chegaram vários manuscritos. A sua obra astrológica constituiria um conjunto enciclopédico que serviria de súmula de toda a arte. Desta forma, as nove obras que constituem o corpus astrologicum seriam entregues a pedido e daí existirem várias versões da mesma obra, tanto em hebraico como em latim. Essas obras foram traduzidas, destacando-se as traduções em francês antigo. 

     Ibn Ezra tinha como proposta astrológica a recuperação do sistema astronómico e astrológico de Ptolomeu. De facto, o Almagesto e o Tetrabiblos são como um espelho de fundo nos seus textos, todavia, em Ibn Ezra não temos um acesso directo a esses textos (sobre a recepção do Tetrabiblos leia-se os parágrafos iniciais do Comentário de Acerca dos Signos Masculinos e Femininos segundo Ptolomeu). A doutrina astrológica chega a ele por via da astrologia árabe, em especial, através dos textos de Abū Ma'shar e de Al Bīrūnī. Nos textos de Ibn Ezra, pelo facto de não enunciar a precedência de muitas das suas afirmações, sendo até uma parte significativa excertos de obras não assinaladas, não é fácil concluir o alcance das suas leituras. Por outro lado, devido à finalidade dos textos, Ibn Ezra opta por formulações sintéticas. A grande excepção é a relação entre Sefer Reshit Hokhmah e Sefer ha Te'amim, pois o primeiro serve de introdução e o segundo de justificação.

     A obra astrológica de Ibn Ezra é constituída por nove livros, oito dos quais formariam uma enciclopédia, a qual tinha por propósito cobrir todas os temas e segmentos astrológicos da época:
  • Sefer Mishpetei ha-Mazzalot (Livro dos Julgamentos dos Signos do Zodíaco) - Este é o único livro que não foi redigido com os restantes, precedendo-os na ordem do tempo. É uma introdução à astrologia, contudo apresenta-se de um modo menos sistemático que Reshid Hokhmah. A justificação pode dever-se ao facto ou de Ibn Ezra ter incluído interpolações ou por um erro dos copistas. No entanto, aborda alguns temas que não são tratados em Reshid Hokhmah, como, por exemplo, a Trutina Hermetis e a Distribuição dos Planetas pelos Meses de Gestação. E lista também outros de forma mais completa, como os Regentes dos Decanatos, os Regentes dos Termos e seus graus respectivos e as Triplicidades por Segmento Diurno e Nocturno. Desenvolve também a Melothesia que é mais sintética em Reshid Hokhmah.
  • Sefer Reshit Hokhmah (Livro do Princípio da Sabedoria) - Existem duas versões. É também uma introdução à astrologia, que, juntamente com o texto anterior, foi especialmente influenciada pelo Kitāb al-mudkhal al-Kabīr de Abū Ma'shar. Dedica-se a temas comuns a Mishpetei ha-Mazzalot como os Signos, os Planetas, os Aspectos, os Quadrantes e as Casa. Existem outros temas que desenvolve de forma mais exaustiva como as Constelações, as Dignidades Planetárias, as Partes, a Dodecatemoria e as Nove Partes. Por fim, aborda alguns temas que não são  tratados em Mishpetei ha-Mazzalot como a Paranetellonta, a Natureza dos Signos enquanto Ascendentes, as Estrelas Fixas e a Divisão dos Graus de acordo com a sua Natureza.
  • Sefer ha-Te'amim (Livro das Razões) - Existem duas versões. Este livro formaria um conjunto com Reshit Hokhmah, pois é uma explicitação dos aspectos enunciados no anterior, dividindo-se também em dez capítulos. No entanto, este apresenta um quadro justificativo de alguns temas abordados em Mishpetei ha-Mazzalot. A noção de razão relativa ou referente tem aqui um alcance maior que a mera continuação de Reshit Hokhmah. Te'amim começa com uma descrição do universo, das constelações, dos signos na oitava esfera, da posição e órbita dos planetas e da natureza física das estrelas fixas e dos planetas. As temáticas seguintes são semelhantes às de Mishpetei ha-Mazzalot e de Reshit Hokhmah, embora inclua alguns temas sobre as natividades, tais o Ascendente, o Hyl'eg e as Revoluções. Contudo, o capítulo décimo destaca-se ao incluir as técnicas para o cálculo dos aspectos, das direcções e das casas mundanas, bem como a análise dos períodos astrológicos, que não constam dos outros dois tratados. Convém também referir-se que ordem temática é diferente nas duas versões.
  • Sefer ha-Moladot (Livro das Natividades) - Dedica-se à astrologia natal. Existem duas versões, a segunda das quais em latim (Liber Nativitatum). Existe também um tratado intitulado Liber Nativitatibus, que aborda a mesma temática, mas pode ser um tratado hebraico perdido de Ibn Ezra ou um em que este teve uma participação activa. Este texto aguarda edição crítica, mas é citado em amiúde nas edições de Shlomo Sela (2007-2017). Ibn Ezra começa esboçando os oito pontos da debilidade da astrologia natal e, embora faça a sua defesa, coloca uma precedência nos julgamentos colectivos sobre os individuais. Procura também mostrar-se como pioneiro na astrologia hebraica, algo semelhante ao que fez em Sefer Keli ha-Nehoshet, a respeito do astrolábio e da sua utilidade científica. De seguida, dedicada a segunda parte do tratado à rectificação da natividade, refutando o modelo de Ptolomeu e corrigindo a Balança de Enoch ou Trutina Hermetis, que fora enunciada em Mishpetei ha-Mazzalot. A terceira parte é dedicada às natividades propriamente ditas. Por fim, a quarta parte trata das revoluções ou da horoscopia contínua. Aborda os modelos de cálculo e os seus antecedentes históricos. A sua análise é boa parte baseada no Tahāwīl sinī al-mawālī de Abū Ma'shar. Termina com uma abordagem introdutória à doutrina das eleições.
  • Sefer ha-Tequfah (Livro das Revoluções) - Aborda sobretudo as revoluções e continua muitos dos temas abordados na quarta parte de Moladot. Neste tratado, Ibn Ezra já não desvaloriza a astrologia natal, pelo contrário, tenta recuperar algum argumentário de Ptolomeu em defesa das natividades e revoluções individuais. No entanto, as técnicas provêm sobretudo da astrologia árabe. O texto inicia-se com o método e proposta de cálculo das revoluções. De seguida, avalia as posições das direcções dos regentes das casas, bem como dos signos em relação à posição natal dos planetas. Ibn Ezra dedica-se depois ao tema, que já havia sido introduzido em Moladot, dos Signos e Casas Terminais. Na verdade, este método é similar ao das Profecções. Na segunda versão de Te'amim, Ibn Ezra define casa terminal como o lugar a que a revolução chega no fim de ano, considerando que a cada mês são atribuídos dois graus e meio. Nesse mesmo sentido, um signo terminal é o signo que se alcança numa revolução, ou seja, um signo (30°) corresponde a um ano. O texto continua depois com a firdaria (al-fardār) e com a avaliação do regente do ascendente na revolução e com regente da hora. Por fim, desenvolve as revoluções do mês, semana, dia e hora, já iniciada em Moladot.
  • Sefer ha-Mivharim (Livro das Eleições) - Existem três versões deste texto, sendo, a terceira fragmentária, apesar de constituída por um fragmento longo. Trata da astrologia electiva, ou seja, a análise do tempo oportuno para determinada acção ou acontecimento, o kaíros grego. Ibn Ezra inicia o tratado com a problemática da aparente oposição entre livre arbítrio e determinismo astrológico, defendendo que o ser humano pode escapar aos desígnios das estrelas porque a sua alma foi criada num lugar superior a estas, assim, pelo recurso à inteligência, pode reduzir a sua má fortuna. Porém, no que às eleições diz respeito, Ibn Ezra reafirma algum determinismo, pois uma eleição não pode contrariar o decreto de uma natividade. Pode, contudo, minorar o seu alcance ou intensidade, ou seja, a eleição pode reduzir os desígnios das estrelas. O tratado avança depois com a exposição de dois métodos de eleição: o primeiro depende do mapa natal, colocando o lugar/casa do tema electivo como ascendente (este é um modelo similar ao que encontramos em Doroteu de Sidon ou em Vétio Valente) e o segundo, na ausência dos dados temporais do nascimento, consiste na escolha de um planeta e na procura da sua melhor posição. Ibn Ezra considera o primeiro mais preciso que o segundo. A organização do texto, que é comum a outros tratados, nomeadamente a Se'elot, segue as doze casas. Neste caso, cada capítulo apresenta as eleições que concernem a cada casa.
  • Sefer ha-Se'elot (Livro das Interrogações) - Existem três versões, sendo a terceira fragmentária. A doutrina das Interrogações trata do que hoje definimos como astrologia horária. Ora, tanto em Mivharim como em Se'elot, levanta-se, até pelas referências textuais, a questão das fontes, ou seja, quem foram os mestres Ibn Ezra em matéria de Eleições ou Interrogações. Quando se refere aos antigos ou aos cientistas egípcios, Ibn Ezra reporta-se à tradição dos textos herméticos, em particular aos se dedicam à astrologia, atribuindo a Hermes o nome de Enoch, e a Ptolomeu. Da antiguidade, em matéria de Eleições e Interrogações, as fontes de Ibn Ezra seriam sobretudo Doroteu de Sidon, especial o livro V do Carmen Astrologicum, e Ptolomeu. No entanto, Ptolomeu não explora estas temáticas no Tetrabiblos. A sua fonte seria o Centiloquium, conhecido por Ibn Ezra como Sefer ha-Peri. Esta obra é atribuída a Ptolomeu, mas é uma criação da alta idade média. Na astrologia árabe, é conhecido por Kitāb al-Tamara e acredita-se ser uma criação de Ahmad Ibn Yūsuf, que no século X fez um comentário a esta obra. As outras fontes de Ibn Ezra são Al-Kindī e Māshā-allāh, cientistas indianos, Andarzagor ibn Sādān Farruh, um cientista persa, e Sahl Ibn Bishr al-Yahūdī, de origem judaica, e Abū Ma'shar. O papel das fontes é fundamental, pois mostra como Ibn Ezra recuperou as tradições antigas e transportou-as para a Europa cristã. Se'elot segue a estrutura de Mivharim e divide as Interrogações pelas doze casas. Ibn Ezra mostra, logo no início, as suas dúvidas em relação a este método, apresentando os seus limites. Refere também que a sinceridade de quem coloca as questões limita a resposta. Porém, apesar das suas ressalvas, explana com rigor todo um leque de questões e a metodologia para se encontrar a resposta. 
  • Sefer ha-Me'orot (Livro dos Luminares) - Existem duas versões. Este é único tratado astrológico de Ibn Ezra cujo título não aponta para o seu objecto. No entanto, ao ler-se o tratado compreende-se que existe uma condição necessária entre a natureza e qualidade da luz e os estados de saúde ou doença. Ibn Ezra aborda a astrologia médica a partir da Teoria dos Dias Críticos. A principal fonte de Ibn Ezra é Galeno, que deve ter chegado até ele pela tradução de Ishaq al-'Ibādi, Kitāb' ayyām al-buhrān (Sobre os Dias Críticos), bem como a partir da tradição médica árabe, com nomes como al-Rāzī, Haly Abbas e Ibn Sīnā. Do ponto de vista astrológico, as suas fontes foram a tradição hermética, Doroteu de Sidon, que no livro V do Carmen Astrologicum alude a essa teoria, sendo este anterior a Galeno, Ptolomeu  (Pseudo), que no Centiloquium (Aforismo 60) refere a teoria e Teófilo de Edessa, que, a partir de Hermes, concilia a Melothesia e a Doutrina da Localização da Dor. Ora a Teoria dos Dias Críticos defende que os dias 7, 14, 20/21 e 27/28, desde do início da doença, podem ser dias de crises, seguindo, como é perceptível, o ciclo da Lua. Doroteu acrescenta os dias 9 e 18, pois formam trígonos. As crises, segundo a teoria, ocorreriam nas quadraturas e oposição, porém nem sempre assim, como indica o próprio Ibn Ezra. A sua justificação para algumas discrepâncias deve-se a excentricidades no movimento da Lua. Outro factor que também refere é a diferente reacção de dois pacientes com o mesmo posicionamento astrológico. Segundo Ezra, deve-se ter em consideração as nove complexões de Galeno, ou seja, a natureza do paciente. O texto de Me'orot divide-se em quatro partes. A primeira inicia-se com exposição da natureza dos luminares e da Teoria dos Dias Críticos. De seguida, elenca quatro aspectos que devem ser considerados: o Sol e Lua encontrarem-se nas suas casas, nas casas de exaltação ou nas casas de dejecção; existirem eclipses lunares ou solares; avaliar-se a posição do Sol e da Lua e posição relativa com os pontos solsticiais e equinociais; e distinguir-se a qualidade da luz lunar (crescente ou minguante) e avaliar-se se a doença se deve a um excesso ou défice de humor. Na segunda parte, apresenta-se os aspecto da Lua (conjunção, quadratura e oposição) e relação com os pontos cardeais, bem como a importância de se fazer um mapa do início da doença. Na terceira parte, são abordadas as conjunções da Lua com um planeta ou vários e com as estrelas fixas. Por fim, na quarta parte, avaliam-se as condições para se verificar a teoria proposta e procede à distinção entre doença aguda, avaliada num mês pela Lua, e doença crónica, avaliada pelo ciclo anual do Sol.
  • Sefer ha-'Olam (Livro do Mundo) - Existem duas versões. Este tratado dedica-se à astrologia mundana, ou seja, o seu objecto é o conjunto de factores políticos e sociais dignos de análise astrológica. Nesta abordagem, inclui-se também a investigação meteorológica. Em suma, a astrologia aplicada ao mundo dedica-se ao que concerne à humanidade, ao colectivo, seja a guerra ou a paz, a fome ou a abundância, a chuva ou a seca. Ibn Ezra inicia o texto com a apresentação do tema que vai ocupar quase todo o tratado: a Grande Conjunção. Parte do livro de Abū Ma'shar Kitāb al-dalālāt alā al-ittisālāt wa-qirānāt al-kawākib, na versão latina De magnis coniuctionibus, para concluir que existem cento e vinte conjunções. Ora destas, seguindo a tradição anterior, destaca a conjugação de Júpiter e Saturno, pois sendo mais pesados, são mais lentos. Logo, para Ibn Ezra, indicam os assuntos gerais, visto que os pormenores são próprios dos que são mais leves e mais rápidos. A Grande Conjunção é aquela que une Júpiter e Saturno em Carneiro, no seu início, por este ser o primeiro signo. Segundo Ibn Ezra e Abū Ma'shar, ela ocorre a cada 1000 anos. De seguida, indica como, depois de ocorrer a Grande Conjunção, esta segue a triplicidade do fogo, assim, 20 mais tarde, dá-se em Sagitário e, 20 anos depois, ocorre em Leão. Depois de Leão, 20 anos mais tarde, volta a Carneiro, mas não no mesmo grau. Ibn Ezra continua a sequência, demonstrando que repete a conjugação entre doze a treze vezes, perfazendo 240 a 260 anos. De seguida, passa para a triplicidade de Terra, para a do Ar e, por último, para a de Água para, por fim, regressar ao Fogo. De forma a avaliar este grande ciclo, Ibn Ezra recomenda que se faça um mapa para a Revolução do Ano, ou seja, iniciando-se em Carneiro. Esta necessidade leva a que tratado avance para a discussão da Progressão dos Equinócios e da inclinação do eixo. Segundo Ibn Ezra, Ptolomeu afirma que deve estar entre os 23°45' e os 23°51', mas para Hiparco está a 23°51' e para Abū Mansūr e Al-Zarquālī está a 23°33'. Recomenda também que, para a precisão da Revolução do Ano, se deve considerar os eclipses, de modo a chegar ao cálculo exacto do ascendente. O tratado dedica -se, de seguida, a um conjunto de recomendações de análise, tanto para a Grande Conjunção como para todo o mapa da Revolução do Ano (movimento directo ou retrógrado, posição face à latitude, regentes, etc). Neste ponto, Ibn Ezra segue as propostas de análise de Ptolomeu, incluindo o Centiloquium, de Doroteu, de Enoch (Hermes), de Abū Ma'shar e Māshā'allāh. Este último diz, por exemplo, que se Saturno estiver  em oposição ou conjunção a Marte ou se o regente do signo estiver combusto, trará um grande mal para a nação em causa, ou seja, a que é regida pelo signo onde se encontra. O cálculo e a análise das nações seguem os dados (listas) de Enoch (Hermes), de Al-Kindī e de Abū Ma'shar, onde, por exemplo, Carneiro e Júpiter regem as terras do Iraque e o reino da Pérsia e Jerusalém estão no grau 6 de Capricórnio. De seguida, o tratado avalia, a partir das 28 Mansões da Lua, as condições astrológicas para a chuva e para a seca. E termina com as recomendações de Al-Andruzgar para análise da Revolução do Ano. 
     A importância de Ibn Ezra para a astrologia não assenta tanto em estruturas conceptuais por si criadas, mas sim na sistematização, também ela criativa, das tradições astrológicas da Antiguidade, de Bizâncio, do mundo árabe, judaico e cristão. Ibn Ezra foi sobretudo um importante modelo de passagem, tal como foi, por exemplo, Teófilo de Edessa na ligação entre a astrologia antiga e a astrologia árabe. Ibn Ezra morreu por volta de 1161 e deixou-nos um conjunto de tratados que são uma referência incontornável para qualquer astrólogo.


Bibliografia

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Sela, S., 2007, Abraham Ibn Ezra: The Book of Reasons - A Parallel Hebrew-English Crirical Edition of the Two Versions of the Text. Leiden and Boston: Brill.  
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 - - 2013, Abraham Ibn Ezra on Nativities and Continuous Horoscopy - A Parallel Hebrew-English Critical Edition of the Book of Nativities and the Book of Revolution. Leiden and Boston: Brill.
 - - 2017, Abraham Ibn Ezra’s Introductions to Astrology - A Parallel Hebrew-English Critical Edition of the Book of the Beginning of Wisdom and the Book of the Judgments of the Zodiacal Signs. Leiden and Boston: Brill

Smithuis, R., 2006, "Abraham Ibn Ezra's Astrological Works in Hebrew and Latin: New Discoveries and Exhaustive Listing" in Aleph: Historical Studies in Science and Judaism, Volume 6, 2006, pp. 239-338. Published by Indiana University Press DOI: 10.1353/ale.2006.0007

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

O Espírito que move a Força

A Força
Tarot Rider-Waite


A Força é aquele elemento natural que transcende a própria natureza, iluminando-a, conferindo-lhe um carácter que fixa a sua justa medida.

A Força é o espírito que coloca o olhar da vontade nos sentidos da percepção, pois somente o espírito deve reger a vontade.

A Força é aquele olhar que se firma no mundo e bifurcado se transforma, sendo ora instinto e ilusão, ora uma revolução da vontade.

A Força é o movimento, e não o princípio, que se estabelece entre os opostos e se torna tanto conflito e tensão como harmonia e união.

A Força é aquele ritmo que vive no tempo, podendo ser instante ou eternidade, e que, quando consciente de si mesmo, se apresenta como poder.

A Força é o poder que sem força se torna poderoso, ou seja, é a vontade de poder que, abnegada, medeia a consciência e a manifestação.

A Força é aquela energia que anima a vida e renova o viver, é a fertilidade do espírito e o progresso da consciência, é o regresso do Feminino.