segunda-feira, 22 de agosto de 2016

As Partes segundo al-Bīrūnī

Selo Russo 1973
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Biruni-russian.jpg

Alguns Dados Biográficos

Al-Bīrūnī, nome completo Abū al-Rayḥān Muḥammad ibn Aḥmad al-Bīrūnī, nasceu a 4 de Setembro do ano 973 da Era Comum, em Khwārezm, Khorāsān (agora Uzbequistão) e morreu cerca de 1052, em Ghazna (agora Ghaznī, Afeganistão). Foi um dos mais proeminentes cientistas muçulmanos: astrónomo, matemático, etnógrafo, antropólogo, historiador e geógrafo. A sua obra é relativamente fácil de listar, uma vez que, com cerca de sessenta anos, nos deixou uma lista das suas obras. Viveu até cerca dos setenta anos e outras obras puderam ser acrescentadas, pois não deixou de escrever. Desta forma, produziu um total de 146 títulos, divididos em 90 fólios, dos quais apenas 22 chegaram aos nossos dias. O seu livro sobre a cultura indiana é de longe a mais importante da sua obra enciclopédica. O título expressivo Taḥqīq mā li-l-hind min maqūlah maqbūlah fī al-ʿaql aw mardhūlah (Verificação de todo o Legado dos Indianos, o sensato e o que não que o é) indica tudo a que se propõe. O texto inclui toda a tradição sobre a Índia e a sua ciência, religião, literatura e costumes que al-Bīrūnī conseguiu reunir. Outra obra de mérito enciclopédico e científico é o inimitável Al-Qānūn al-Masʿūdi (O Cânone Masʿūdic), dedicado a Masʿūd, filho de Maḥmūd de Ghazna, no qual al-Bīrūnī reune toda a informação astronómica, desde de fontes como o Almagest de Ptolomeu e “Tabelas Handy”, reinterpreta-as e actualiza-as.

Explicação das Fases da Lua segundo al-Bīrūnī
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Al-Biruni
Porém, é o Kitab al-Tafhim li Awa'il Sina'at al-Tanjim (O Livro de Instruções acerca dos Elementos da Arte da Astrologia) que aqui nos interessa.  Embora al-Bīrūnī expressasse algumas reservas quanto ao uso da astrologia horária, elabora a maior síntese do conhecimento astrológica até ao fim da Alta Idade Média. A sua sistematização das Partes ou Partes da Fortuna, mais tarde conhecidas Partes Arábicas, é de suma importância e essa que aqui reproduzimos.





 As  Partes segundo al-Bīrūnī

Fonte: al-Bīrūnī, The Book of Instruction on the Elements of the Art of Astrology (Kitab al-Tafhim li Awa'il Sina'at al-Tanjim), Londres, Luzac & Co, 1934, par. 476.  

Parágrafo 476: Outras Partes para além da Parte da Fortuna

Ptolomeu reconheceu apenas a Parte da Fortuna, mas outros introduziram um número excessivo de métodos para estabelecer as partes nas natividades. Reproduzimos nas tabelas aquelas que Abu Ma'shar menciona.

Em cada uma, existem três aspectos que devem ser tidos em consideração: posição 1 - o início, 'mubdá'; posição 2 - o fim, 'muntahá'; e  posição 3 - o ponto estabelecido, 'malqá', os quais são tratadas tal como no parágrafo anterior, a posição na figura dos céus da fortuna ou parte em questão a determinar. Estes são os três pontos designados respectivamente de 'manqud' [valor subtraído], 'manqud minhu' [valor a partir do qual se subtrai] e 'muzad ralaihi' [valor somado]. Por vezes, a fórmula é usada tanto nas natividades diurnas como nas nocturnas, mas, com maior frequência, os pontos 1 e 2 são trocadas nas nocturnas.

É impossível de enumerar todas as partes que foram criadas para solucionar questões horária, e para responder a perguntas acerca de soluções prósperas e de tempo auspicioso para a acção, pois aumentam em número a cada dia, mas as 97 partes que se seguem, 7 das quais pertencem aos planetas, 80 às casa e 10 a nenhum deles, são as mais comummente utilizadas.

De seguida, indica-se as tabelas de al-Bīrūnī, já em formato de  fórmula. Quando existir variação nas fórmulas diurna e nocturna, a última é apresentada entre parênteses.

Fortunas dos Sete Planetas para o Dia e para a Noite

1 - Fortuna ou Horóscopo Lunar: Asc + Lua - Sol (Asc + Sol - Lua)
2 - Daimon e Religião (Espírito): Asc + Sol - Lua (Asc + Lua - Sol)
3 - Amizade e Amor: Asc + Espírito - Fortuna (Asc + Fortuna - Espírito)
4 - Desespero, Penúria e Fraude: Asc + Fortuna - Espírito (Asc + Espírito - Fortuna)
5 - Cativeiro, Prisões e Fugas Captivity: Asc + Fortuna - Saturno (Asc + Saturno - Fortuna)
6 - Vitória, Triunfo e Auxílio: Asc + Júpiter - Espírito (Asc + Espírito - Júpiter)
7 - Valor e Bravura: Asc + Fortuna - Marte (Asc + Marte - Fortuna)

Fortunas das Doze Casas

Casa I
8 - Vida: Asc + Saturno - Júpiter (Asc + Júpiter - Saturno)
9 - Pilar do Horóscopo (Natividades, Permanência e Constância): Asc + Espírito - Fortuna  (As + Fortuna - Espírito) 
10 - Pensamento e Eloquência: Asc + Marte - Mercúrio  (Asc + Mercúrio - Marte)

Casa II
11 - Propriedade: Asc + Cúspide da Casa II - Regente da Casa II (Asc + Regente da II - II)
12 Dívida: Asc + Mercúrio - Saturno (Asc + Saturno - Mercúrio)
13 - Procura de Tesouros: Asc + Vénus - Mercúrio

Casa III
14 - Irmãos: Asc + Júpiter - Saturno
15 - Número de Irmãos: Asc + Saturno - Mercúrio
16 - Morte de Irmãos e Irmãs: Asc + 10o Gémeos  - Sol (Asc + Sol - 10o Gémeos)

Casa IV
17 - Pai: Asc + Saturno - Sol ou Júpiter  (Asc + Sol ou Júpiter - Saturno)
18 - Morte dos Pais: Asc + Júpiter - Saturno (Asc + Saturno - Júpiter)
19 - Avós: Asc + Saturno - II (Asc + II - Saturno)
20 - Ancestrais e Relações: Asc + Marte - Saturno (Asc + Saturno - Marte)
21 - Propriedade segundo Hermes: Asc + Lua - Saturno  (Asc + Saturno - Lua)
22 - Propriedade segundo alguns Persas: Asc + Júpiter - Mercúrio (Asc + Mercúrio - Júpiter)
23 - Agricultura e Lavoura: Asc + Saturno - Vénus
24 - Fim de um Assunto: Asc + Regente da última Sizígia - Saturno

Casa V
25 - Crianças: Asc + Saturno - Júpiter ou Vénus (Asc + Júpiter ou Vénus - Saturno)
26 - Tempo e Número de Crianças por Género: Asc + Júpiter - Marte
27 - Condições dos Rapazes: Asc + Júpiter - Marte
28 - Condições das Raparigas: Asc + Vénus - Lua 
29 - Nascimento de um Rapaz ou Rapariga: Asc + Lua - Regente da Lua (Asc + Regente da Lua - Lua)

Casa VI
30 - Doença, Defeitos, Tempo de Começo segundo Hermes: Asc + Marte - Saturno (Asc + Saturno - Marte)
31 - Doença,  Defeitos, Tempo de Começo segundo Alguns Antigos: Asc + Marte - Mercúrio
32 - Cativeiro: Asc + Dispositor do Regente do Tempo - Regente do Tempo
33 - Escravos: Asc + Lua - Mercúrio

Casa VII
34 - Casamento de Homens segundo Hermes: Asc + Vénus- Saturno
35 - Casamento de Homens segundo Vettius Valens: Asc + Vénus - Sol
36 - Engano e Decepção de Homens e Mulheres: Asc + Vénus - Sol
37 - Relações Sexuais: Asc + Venus - Sol
38 - Casamento de Mulheres segundo Hermes: Asc + Saturno - Vénus
39 - Casamento de Mulheres segundo Vettius Valens: Asc + Marte - Lua
40 - Má Conduta das Mulheres: Asc + Marte - Lua
41 - Engano e Decepção de Homens pelas Mulheres: Asc + Marte - Lua
42 - Relações Sexuais: Asc + Marte - Lua
43 - A Não Castidade: Asc + Marte - Lua
44 - Castidade das Mulheres: Asc + Vénus - Lua
45 - Casamento de Homens e Mulheres segundo Hermes: Asc + VII - Vénus
46 - Tempo do Casamento segundo Hermes: Asc + Lua - Sol
47 - Casamento Fraudulento e sua Promoção: Asc + Vénus - Saturno
48 - Enteados: Asc + Vénus - Saturno (Asc + Saturno - Vénus)
49 - Processos Legais: Asc + Júpiter - Marte (Asc + Marte - Júpiter)

Casa VIII
50 - Morte: Grau de Saturno + VIII - Lua
51 - Anairetai: Asc + Lua - Regente do Asc (Asc + Regente do Asc - Lua)
52 - Ano para temer a Morte aquando do Nascimento, Fome:Asc + Dispositor da Último Sizígia - Saturno
53 - Lugar de Morte e Doença: Grau de Mercúrio + Marte - Saturno ( Grau de Mercúrio + Saturno - Marte)
54 - Perigo de Violência: Asc + Mercúrio - Saturno

Casa IX
55 - Viagens: Asc + IX - Regente da IX
56 - Viagens por Água: Asc + 15o Caranguejo - Saturno (Asc + Saturno - 15o Caranguejo)
57 - Timidez e Fuga: Asc + Mercúrio - Lua (Asc + Lua - Mercúrio)
58 - Reflexões Profundas: Asc + Lua - Saturno (Asc + Saturno - Lua)
59 - Entedimento e Sabedoria: Asc + Sol - Saturno (Asc + Saturno - Sol)
60 - Tradições, Conhecimento dos AssuntosTraditions: Asc + Júpiter - Sol (Asc + Sol - Júpiter)
61 - Conhecimento, tanto Verdadeiro como Falso: Asc + Lua - Mercúrio

Casa X
62 - Nascimentos Nobres: Asc + Grau de Exaltação do Regente do Tempo - Regente do Tempo (Asc + Regente do Tempo - Grau de Exaltação do Regente do Tempo)
63 - Reis e Sultões: Asc + Lua - Marte (Asc + Marte - Lua)
64 - Administradores e Vizires: Asc + Marte - Mercúrio (Asc + Mercúrio - Marte)
65 - Conquista e Vitória do Sultão: Asc + Saturno - Sol (Asc + Sol - Saturno)
66 - Dos Sobem de Estatuto: Asc + Fortuna - Saturno (Asc + Saturno - Fortuna)
67 - Pessoas de Estatuto Reconhecido: Asc + Sol - Saturno
68 - Exércitos e Polícia: Asc + Saturno - Marte (Asc + Marte - Saturno)
69 - Sultão, respeitante à Natividade: Asc + Lua - Saturno
70 - Comerciantes e o seu Trabalho: Asc + Vénus - Mercúrio (Asc + Mercúrio - Vénus)
71 - Comprar e Vender: Asc + Fortuna - Espírito (Asc + Espírito - Fortuna)
72 - Operações e Ordens em Tratamentos Médicos: Asc + Júpiter - Sol (Asc + Sol - Júpiter)
73 - Mãe: Asc + Lua - Vénus (Asc + Vénus - Lua)

Casa XI
74 - Glória: Asc + Espírito - Fortuna (Asc + Fortuna - Espírito)
75 - Amizade e Hostilidade: Asc + Espírito - Fortuna (Asc + Fortuna - Espírito)
76 - Dos que são Conhecidos pelos Homens e admirados pela forma como tratam os seus assuntos: Asc + Sol - Fortuna (Asc + Fortuna - Sol)
77 - Sucesso: Asc + Júpiter - Fortuna (Asc + Fortuna - Júpiter)
78 - Mundividência: Asc + Vénus - Fortuna (Asc + Fortuna - Vénus)
79 - Esperança: Asc + Mercúrio - Júpiter (Asc + Júpiter - Mercúrio)
80 - Amigos: Asc + Mercúrio - Lua
81 - Violência: Asc + Mercúrio - Espírito 
82 - Abundância Doméstica: Asc + Sol - Lua
83 - Liberdade Pessoal: Asc + Sol - Mercúrio (Asc + Mercúrio - Sol)
84 - Louvor e Aceitação: Asc + Vénus - Júpiter (Asc + Júpiter - Vénus)

Casa XII
85 - Inimigos segundo Alguns Antigos: Asc + Marte - Saturno
86 - Inimigos segundo Hermes: Asc + XII - Regente da XII
87 - Má Sorte: Asc + Fortuna - Espírito 

Dez Fortunas que não pertencem nem aos Planetas, nem às Casas

88 - Hailaj: Asc + Lua - Grau da Última Sizígia
89 - Corpos Débeis: Asc + Lua - Fortuna (Asc + Fortuna - Lua)
90 - Cavaleiros e Bravura: Asc + Lua - Saturno (Asc + Saturno - Lua)
91 - Ousadia, Violência e Assassínio: Asc + Lua - Regente do Asc (Asc + Regente do Asc - Lua)
92 - Engano e Decepção: Asc + Espírito - Mercúrio (Asc + Mercúrio - Espírito)
93 - Necessidade e Desejo: Asc + Marte - Saturno 
94 - Requisitos e Necessidades segundo os Egípcios: Asc + III - Marte
95 - Realização de Necessidades e Desejos: Asc + Mercúrio - Fortuna 
96 - Retribuição: Asc + Sol - Marte (Asc + Marte - Sol)
97 - Rectidão: Asc + Marte - Mercúrio (Asc + Mercúrio - Marte)

NOTA: Todas as traduções para português e reinterpretações astrológicas são da responsabilidade do autor.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

O Tarot como Liber Mundi: Uma Introdução

   A primeira ideia que a maioria das pessoas têm sobre o Tarot é que se trata de um baralho de cartas para adivinhar o futuro. Ora a arte adivinhatória é uma ínfima parte do que é o Tarot. O Tarot é acima de tudo um livro, um livro de imagens e estas imagens são uma sugestão de  símbolos e sentidos. A leitura do Tarot não se limita a uma análise sequencial, não se começa numa primeira carta e se termina numa última, à semelhança das páginas de um livro. As cartas lêem-se como uma teia, onde cada uma se relaciona com todas. Por outro lado, o significado de uma carta não se restringe à imagem apresentada, é o sentido que se esconde que lhe confere o seu significado. Porém, é quando designamos o Tarot de Liber Mundi que revelamos a sua verdadeira natureza, ou seja, como Livro do Mundo o Tarot é um reflexo da realidade, uma síntese imagética de arquétipos criadores.

  O Tarot une o simbolismo da letra, da palavra, com o do número, apontando para um caminho que explicita simbolicamente a relação profunda entre espaço e tempo. As 78 cartas do Tarot  dividem também o universal e o particular. Os 22 Arcanos Maiores indicam as ideias universais, os grandes arquétipos, enquanto os 56 Arcanos Maiores sintetizam expressões e tipologias humanas. Estes dividem-se em 40 cartas numeradas e 16 cartas de figuras que, por sua vez, se dividem em quatro, constituindo assim os quatro elementos essenciais: terra, água, ar e fogo. 

Tarot Carlos VI
A Mansão de Deus
  A origem do Tarot tem sido também matéria de discussão. Uns apontam para um criação antiga que colocaria a sua génese em Thot, deus egípcio do conhecimento e da escrita, assim o Tarot representaria o livro do deus, uma imagem em palavra da sabedoria divina. Outros defendem que sua origem estaria relacionada com heresia medieval dos cátaros, uma vez que dois dos baralhos mais antigos apareceram em regiões com forte presença desse movimento, sul de França e norte de Itália. Embora a sua datação seja polémica, podemos situar os baralhos de Carlos VI, ou Gringonneur, e Visconti-Sforza entre os séculos XIV e XV, aliás bem como o Tarot de Marselha. Por fim, a origem também já foi atribuída aos Romani que, segundo a lenda, descendem directamente dos egípcios antigos e que, como estes, teriam uma ligação ancestral ao Tarot. Qualquer que seja a origem do Tarot, uma coisa podemos afirmar: uma análise atenta das cartas demonstra a predominância do feminino, como sentido alternativo da realidade. As imagens e os arquétipos femininos são um denominador comum no Livro Mundo, daí que alguns o tenham associado ao culto da Madalena, o qual estaria intimamente ligado aos cátaros. A carta aqui representada, a Mansão de Deus, seria uma referência à queda de Montségur.  

Tarot Visconti-Sforza
A Papisa
  O feminino é o centro do Tarot, tanto que é uma mulher que está no meio dos Arcanos Maiores. No Tarot de Marselha, é a Força que está no centro e esta carta é esotericamente designada de a vitória do espírito sobre a matéria, é a mulher que vence o leão. Na reinterpretação do Rider-Waite, o centro é entregue à Justiça, que indica o equilíbrio ou necessidade do mesmo. A associação do Tarot ao culto da Madalena apresenta, em especial, a Senhora em quatro cartas: a Sacerdotisa, a Imperatriz, a Estrela e o Mundo. Ora estas cartas sintetizam a mensagem do Tarot, pois, por um lado, nas cartas da Sacerdotisa e da Estrela revela-se a união da Sabedoria à Fé, a Pistis-Sophia, e, por outro, a Imperatriz e o Mundo indicam o regresso do Feminino ao mundo, a harmonia perdida do masculino e do feminino.

Tarot de Marselha
A Estrela
  A relação entre as cartas e o número é íntima e simbólica. Nos Arcanos Maiores, o número participa da identidade da própria carta, bem como do conjunto. O Louco, o Arcano 0, não se inclui directamente nos outros 21 Arcanos, embora nalguns casos lhe seja atribuído o número 22 ou a posição entre o Julgamento e o Mundo. O Louco é o zero, porque não é o caminho, é o caminhante. O zero é o peregrino que está no início e no fim. Desta forma, ficam os 21 Arcanos Maiores. Ora o número 21 é um número feminino, pois 21 mais 7 indica o ciclo lunar da mulher e, sendo estes 7 o mistério do sangue, a Lua que se esconde, fica o 21, o Feminino visível como Lua, crescente, cheia e minguante. Se o Louco é o caminhante, os 21 Arcanos Maiores são o caminho, e os Arcanos Menores são os participantes e as expressões exteriores desse mesmo caminho. Os 21 Arcanos podem-se dividir em três secções de sete, em três etapas do caminho. A primeira etapa vai do Mago ou ao Carro, a segunda da Justiça ou Força, conforme o baralho, à Temperança, e a terceira do Diabo ao Mundo, chegando o Louco ao fim o caminho começa de novo. Para além do valor e significado específico do número de carta, a sua composição tem também um sentido profundo, ou seja, por exemplo, a Morte tem o número 13 e 13 é 1+3 e 1+3 é 4, ora 4 é o Imperador, que é 1+3, o Mago e a Imperatriz. Em termos de sentido, podemos resumir da seguinte forma: a Transformação  (a Morte) e a Ordem (o Imperador) relacionam-se entre si, pois ambas resultam da mesma origem, que é a Vontade (o Mago) e o Amor (a Imperatriz). Este esquema interpretativo pode-se aplicar a todas as cartas e a todos conjuntos das mesmas.

Árvore da Vida
   O Tarot, como Liber Mundi, tem uma estreita relação com a letra, com a palavra. A cada Arcano Maior corresponde uma letra do alfabeto hebraico, uma vez que este tem vinte e duas letras. Aqui existem duas teses quanto ao início do alfabeto: uns atribuem a letra Aleph ao Louco, outros ao Mago. À semelhança de Aleister Crowley, optei por seguir atribuição de Aleph ao Louco, porém, não sigo a associação de Tsady ao Imperador e He à Estrela, pois mantenho a sequência das letras. A ligação entre o Tarot e o alfabeto hebraico revelam uma harmonia entre as cartas e a Árvore da Vida cabalística. Se a cada Arcano Maior corresponde uma letra, logo um caminho na árvore, a cada Arcano Menor corresponde uma Sephiroth, por exemplo: todos os quatro Ases são regidos por Kether, a Coroa, e todos os Dez por Malkuth, o Reino. Esta simbiose entre o Tarot e a Cabala sustenta a tese inicial de que o Tarot é um livro de sabedoria e não um mero método de adivinhação.

Tarot Rider-Waite
Ás de Copas
  A associação do Tarot à Astrologia é a sua terceira ligação esotérica. A cada Arcano maior corresponde um signo ou um planeta/luminar. O Louco é regido por Úrano, senhor da liberdade e da aprendizagem pelo colectivo, ou seja, a liberdade do peregrino implica a aceitação dos outros, do grupo que o rodeia. O Mundo é governado por Saturno, senhor do tempo e da sua relação com o espaço, isto é o peregrino quando termina a sua viagem compreende que o tempo é círculo que a si mesmo retorna e que terá de reiniciar o seu caminho. Os Arcanos Menores, que apontam para o concreto e para o pessoal, estabelecem uma correspondência mais específica. O Ás de Ouros é regido pelo elemento Terra e pelo conjunto dos três dignos deste elemento: Touro, Virgem e Capricórnio. O Dez de Copas é associado ao elemento Água, ao terceiro decanato de Peixes e a Marte em Peixes. A Rainha de Paus é denominada de Fogo de Água e é regida pelo signo de Carneiro. A natureza astrológica de cada carta é também susceptível de se relacionar, por exemplo: a Estrela, regida por Aquário, junto do Quatro de Copas, associado ao terceiro decanato de Caranguejo e à Lua em Caranguejo, pode indicar uma perda de fé, uma dúvida acerca do divino ou uma indecisão que só será superada pela confiança em si. O Tarot e a Astrologia unem-se numa harmonia de sentido. 

   O Tarot como Liber Mundi permite que se aceda à sua verdadeira natureza, a de um livro sagrado dedicado à deusa Sophia. A sabedoria é a patrona do Tarot, o que é perceptível se observamos o Arcano II: a Sacerdotisa guarda o livro que é um enigma por revelar. O Tarot guarda os segredos do Todo e fecha na sua teia de símbolos e sentidos os mistérios humanos e divinos, porém, tal como o Louco é caminhante, também o leitor é mestre de si mesmo. Procura e encontrarás.


Nota: Todas as imagens apresentadas estão em domínio público.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

O Mapa Astrológico de Álvaro de Campos

Segundo Fernando Pessoa, Álvaro de Campos terá nascido a 13 de Outubro de 1890 (ou dia 15 de Outubro na carta a Adolfo Casais Monteiro), pelas 13 horas e 17 minutos (ou 13 horas e 30 minutos de acordo com a mesma carta), em Tavira, mais tarde dirá que foi em Lisboa.


Mapa Astrológico com os Elementos da Carta a Casais Monteiro


quarta-feira, 27 de abril de 2016

O Mapa Astrológico de Ricardo Reis

Segundo Fernando Pessoa, Ricardo Reis terá nascido a 19 de Setembro de 1887, pelas 16 horas e 5 minutos, em Lisboa (ou no Porto, de acordo com a carta a Adolfo Casais Monteiro).


Mapa Astrológico com os mesmos Elementos do Manuscrito, excepto o Local que se optou pelo Porto, seguindo a Carta a Casais Monteiro.


terça-feira, 26 de abril de 2016

O Mapa Astrológico de Alberto Caeiro

Segundo Fernando Pessoa, Alberto Caeiro terá nascido a 16 de Abril de 1889 (ou Agosto de 1887 de acordo com Thomas Crosse, personagem literária de Pessoa), pelas 13 horas e 45 minutos, em Lisboa.


Mapa Astrológico com os mesmos Elementos do Manuscrito


quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Os Astrólogos - Imagem


Livro de Salmos em Latim de Luís IX e Branca de Castela, 1200-25, Manuscrito (Ms.lat. 1186).
Bibliothèque de l'Arsenal, Paris.  

domingo, 16 de agosto de 2015

Em Defesa da Astrologia


Muito se tem escrito, ao longo dos séculos, sobre a astrologia. Os seus críticos recorrem sempre aos mesmo argumentos. O primeiro de todos é que a astrologia não é uma ciência, uma vez que os seus pressuposto não podem ser comprovados pelo método científico. Actualmente, os astrólogos recorrem a todo o tipo de justificações para que a astrologia sejam considerada ciência, ou, na pior das hipóteses, uma ciência esotérica. Outros, fogem dessa aspiração e consideram a astrologia uma arte. No entanto, a astrologia não é nem uma coisa, nem outra, é acima de tudo uma forma de linguagem. A etimologia aponta para esse caminho astro + logía. Uma das traduções para logos é palavra ou discurso, logo linguagem. 

Walter Benjamin, na sua doutrina das semelhanças, coloca a astrologia na génese da faculdade mimética. O mapa astrológico é considerado uma representação da natureza e do real, uma criação da linguagem, enquanto construção de sentido para o instante analisado. É, desta forma, que a astrologia se transforma em linguagem. O horóscopo capta a totalidade do instante e confere-lhe um sentido, uma razão. Essa acção não poderia ser feita pela astronomia, enquanto ciência, pois esta analisa o nómos dos astros, a regra ou a ordem. 

A astrologia enquanto linguagem revela também uma intima relação com o mythos. A sua posição, em termos de conhecimento, é a mesma que observamos em Platão: quando a razão encontra os seus limites, o mito apresenta-se como sugestão de sentido. Os mitos são uma das bases para a construção das interpretações astrológicas. A natureza profunda do significado das constelações e dos astros baseia-se em mitos. Assim, todo a mitologia referente à Afrodite grega ou à Vénus romana está incluída no sentido do planeta Vénus, bem como cada um dos doze trabalhos de Hércules pode ser atribuído a um dos doze signos do Zodíaco. Esse processo de linguagem é próprio da astrologia. 

Se cada um dos elementos analisados no mapa astrológico é construído através da linguagem, da atribuição de sentido, é na análise completa e integrada desses elementos que encontramos uma visão de totalidade, uma poiesis do real. É por isso que algumas das críticas à astrologia perdem o seu fundamento. Por exemplo, uma das críticas é que a passagem do Sol pelas constelações é fixa, ou seja, quando a astrologia diz que o Sol está em Carneiro, em termos siderais, ele está em Peixes; outra é que Zodíaco é constituído por treze constelações e não por doze, pois entre Escorpião e Sagitário está a constelação de Ofíuco. Ora, se considerarmos a astrologia uma forma de linguagem, essa crítica perde a sua razão de ser. Primeiro, a correspondência real da posição do Sol face às constelações é menos importante para a astrologia do que a estrutura temporal do início e fim da passagem do Sol em cada signo, pois nela encontramos uma atribuição de sentido constante na análise do ano solar; e, segundo, em termos simbólicos, a divisão dos 360 graus do Zodíaco Tropical em doze é mais significativa do que em treze. 

Outro aspecto que é constantemente criticado na astrologia é o facto da elaboração do mapa astrológico se basear no Zodíaco Tropical, o que lhe atribui uma carácter geocêntrico. Ora se partirmos da noção que a astrologia é uma forma de linguagem, então a distinção entre o modelo geocêntrico e heliocêntrico não se coloca. O mapa astrológico é por essência antropocêntrico. até porque quando se elabora o mapa, os critérios primordiais são o de Tempo e de Espaço; data e hora e local. A importância do local faz com que o instante analisado seja num determinando ponto do planeta do Terra, e não na Terra como um todo. É o ser humano que é o centro, que totaliza no Espaço e no Tempo o sentido que se procura. Naturalmente, se o ser humano habitasse outro planeta, o referencial era outro também,

O conceito de Tempo é considerado uma debilidade do sistema conceptual astrológico, porém, deve-se ter em conta que estas críticas vêm da comunidade científica: da física e da astronomia. Ora o conceito de Tempo em astrologia situa-se entre a filosofia, a mitologia e a literatura. O Tempo é tanto a seta que avança como o círculo que a ele mesmo retorna. É essa ambivalência conceptual que permite à astrologia ser um modelo interpretativo original.

Por fim, a grande crítica, que atravessa os séculos, é a que a astrologia restringe a liberdade e fomenta o fatalismo, ou seja, impõe o determinismo e anula o livre-arbítrio. Essa é a crítica que vemos em Cícero ou em Pico della Mirandola. De facto, encontramos períodos da história em que a astrologia foi meramente uma mântica. Porém, como qualquer outra área do saber, a astrologia evoluiu e é hoje um sistema conceptual completo, próximo de áreas como a filosofia prática, a psicanálise ou a psicologia analítica. Em qualquer uma dessas áreas encontramos ideias, conceitos e arquétipos que servem para identificar caminhos e possibilidades, e não para limitar a liberdade humana. O livre-arbítrio pode conviver plenamente com a astrologia, pois, mesmo no conceito de destino, encontramos liberdade. Os acontecimentos e as suas interpretações apontam mais para uma didáctica do que para um determinismo. Desta forma, o astrólogo pode, numa consulta, proporcionar ao consultante uma interpretação dos estados psicológicos, por um lado, e, por outro, proceder a uma análise do tempo, do kairos, do momento oportuno, sem que isso interfira com a liberdade individual.

Em suma, se considerarmos a astrologia como linguagem, podemos incluí-la como um vector de saber adequado ao conhecimento do humano na sua totalidade. A astrologia como linguagem pode pôr fim a séculos de preconceitos e juízos erróneos.