quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A Grande Mãe é Virgem


"A Grande Mãe é virgem, mas num sentido diferente do que o patriarcado, mais tarde, entendeu erroneamente como símbolo de castidade. Justamente por ser fecunda e parturiente, ela é virgem, isto é, 'não relacionada' e não dependente de um homem. Em sânscrito, 'mulher independente' é sinónimo de meretriz. Assim, a mulher que não está ligada a um homem é não apenas um tipo feminino universal como também um tipo sagrado na antiguidade. (...)
Por conseguinte, a deusa da fertilidade é tanto mãe como virgem; a hetaira, que não pertence a nenhum homem, mas está pronto a dar-se a cada um. Ela está à disposição de todo aquele que, tal como ela, esteja ao serviço da fertilidade. Voltando-se para o seu ventre, ele serve a ela, a sagrada representante do grande princípio da fertilidade. Deve-se entender o 'véu de noiva', nesse sentido, como o símbolo da kedesha, a meretriz. Ela é 'desconhecida', isto é, anónima. Ser desvelada significa aqui ser desnudada, mas isto é apenas outra forma de anonimato. O factor real e operativo é sempre a deusa, o transpessoal."

Erich Neumann, História da Origem da Consciência, pp. 55-6. Tradução Margit Martincic. São Paulo: Editora Cultrix, 1990.

A Espera de Deus que é Mãe também


"Sob vários nomes também, todos equivalentes a Ísis, conheceram os gregos um ser feminino, maternal, virgem, sempre intacto, não idêntico a Deus e no entanto divino, uma Mãe dos homens e das coisas, uma Mãe do Mediador. Platão fala dela claramente, mas como que em voz baixa, com ternura e assombro, no Timeu."

Simone Weil, Espera de Deus, p. 231. Tradução Manuel Maria Barreiros. Lisboa: Assírio & Alvim, 2ª Edição, 2009.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Da Música como Expressão Divina

O universo tem a sua música, mas nós ignoramos os seus acordes. A divindade criou a sua melodia, mas nós somos incapazes de a ouvir. A harmonia das esferas ecoa, com as suas notas, por todas as galáxias. A música é uma linguagem divina que eleva as almas até ao dimensão do sublime. Todas as outras formas de linguagem têm as suas limitações, a música consegue, no entanto, ultrapassar as fronteiras da razão e da consciência, alcançando o poder ilimitado da sugestão. A música assemelha-se ao mito, pois não diz, mas infere um sentido que está para além daquilo que pode ser pensado. Quem tiver ouvidos para ouvir que oiça a escala divina de notas que criaram o céu e a terra. Esse será a nossa sabedoria, a nossa salvação.  


Pitágoras, Pormenor do Fresco A Escola de Atenas de Rafael (1509-1510). Vaticano: Palácio Apostólico.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Galadriel - A Senhora Branca de Lothlórien



Banda Sonora do Senhor dos Anéis, Galadriel - White Lady of Lothlórien (Nigthwish, Sleeping Sun).

O caso de Galadriel, tanto nos livros, como nos filmes, representa a tentação do poder e os perigos de consciência superior. Esta personagem feminina apresenta-se como uma figuração do Feminino, da Grande Deusa que, pela proximidade do poder do Mal, sente-se tentada, no entanto, resiste e mantém a sua condição. Este é o desafio de qualquer alma numa senda espiritual.


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O Femino em Imagem - VIII (Sibila)


Domenico Ghirlandaio, Sibila, 1483-85. Florença: Santa Trinità.

Eurínome: Deusa de Todas as Coisas e Origem das Sete Potências Planetárias


"No princípio, Eurínome, Deusa de Todas as Coisas, brotou nua do Caos, mas não vendo substância em redor onde firmar os pés, apartou do céu o mar, dançando solitária por sobre as suas ondas. Ao dançar para o sul, descobriu no vento, que se soltava para trás de si  e a cada passo seu, qualquer coisa de novo e distinto com que iniciar um acto de criação. Movendo-se, ondulante, estreitou nos braços esse vento norte, deixou-o deslizar-lhe por entre as mãos, e subitamente viu diante dela Ofião, a grande serpente. Eurínome dançava para aquecer-se, com tão selvático e crescente frenesi que fez Ofião, lúbrico de natureza, enrolar-se naqueles membros divinos, e tomado de desejo unir-se a ela. (...)
Depois ela tomou a forma de pomba e foi incubar por sobre a superfície das águas, e cumprindo-se o tempo, pôs o Ovo Universal. Por ordem dela se enrolou Ofião sete vezes em torno desse ovo, o qual se rompeu e dividiu em dois. Dele brotaram, desordenadamente, todas as coisas que existem e que são a prole dela: o sol, a lua, os planetas, as estrelas, a terra e as suas montanhas, seus rios, suas árvores, e todos os seres vivos.
(...)
A seguir, criou a deusa as sete potências planetárias, pondo à cabeça de cada uma dela um Titã e uma Titânide: Teia e Hiperião reinavam sobre o Sol; Febe e Atlas sobre a Lua; Dione e Crio sobre o planeta Marte; Métis e Ceos sobre Mercúrio; Témis e Eurimedonte sobre o planeta Júpiter; Tétis e Oceano sobre Vénus; Reia e Crono sobre Saturno. O primeiro homem, porém, foi Pelasgo, antepassado dos Pelasgos; nasceu do solo da Arcádia, e outros o seguiram, aos quais ensinou a construir cabanas, a nutrirem-se de glandes, e a coser túnicas de pele de porco, iguais às que usam as gentes pobres de Eubeia e da Fócida."

Robert Graves, Os Mitos Gregos, pp. 33-34. Tradução Fernanda Branco. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 3ª Edição, 2004.