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terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Sagitário

  Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Sagitário

Lisboa, 23h32min, 12/12/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Lua  

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Saturno        

 

  A Lua Nova de Dezembro ocorre no signo de Sagitário, estando Virgem a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na IV, no lugar sob a terra (ὑπόγειον), no decanato de Lua, nos termos de Mercúrio e na monomoiria de Saturno. A sizígia dá-se pois abaixo do horizonte e cerca de cinco horas e meia após o pôr-do-sol. Os luminares, estando a Lua no seu próprio segmento, mas num signo masculino, encontram-se num caminho de queda, rumo à anti-culminação. Esta é a primeira via luminar do novilúnio, a que se inicia com a sizígia em queda e termina, passando por Marte, no Ponto Subterrâneo. Agora em Sagitário, e seguindo uma ideia já explorada, a luz não desce do céu, nasce no abismo, no útero de Gaia, do Sagrado Feminino. Nesta constelação, essa luz é a sabedoria.

  Acerca do quarto lugar, Manílio afirma o seguinte: “Contudo, a que completa a via de retorno sob a aurora/ e que, de volta, com as forças exaustas, o arco/ escala, abraça por fim os derradeiros anos,/ a luz desvanecente da vida e a trémula velhice.” (Astronomica II, 852 – 855, ed. Goold, 1985, 56: at, qua perficitur cursus redeunte sub ortum,/ tarda supinatum lassatis viribus arcum/ ascendens, seros demum complectitur anos/ labentemque diem vitae tremulamque senectam. As traduções de Manílio são da minha responsabilidade). Este lugar, segundo o mesmo autor antigo, tem a regência de Saturno, uma que é diferente da de Trasilo e da tradição hermética, que coloca Saturno na XII. A significação de Manílio é fundamentalmente astro-mitológica, pois esta é a herança que vê Cronos/Saturno aprisionado por Zeus/Júpiter no Tártaro, no abismo da terra. A velhice e a morte tornam-se assim um elemento de sentido, daí que Manílio diga que é “de onde o Sol foge tombado e para o Tártaro se extende (II, 794, ed. Goold, 1985, 54: unde fugit mundus praecepsque in Tartara tendit). O quadrante que se alonga do Poente (VII) ao Subterrâneo (IV) encerra em si uma qualidade de morte, mas também um carácter temporal profundo, pois ambos criam uma ponte de sentido entre o passado, a morte e o além.

  Neste novilúnio, a luz está assim guardada no abismo da realidade, no útero da história. Por outro lado, por a Lua Nova ocorrer no signo de Sagitário, a sabedoria torna-se a potência dessa mesma luz. Esta atribuição pode ser entendida primeiramente pelo facto de Sagitário ser o domicílio de Júpiter. Do ponto de vista astro-mitológico, lembremo-nos que o poder de Zeus/Júpiter é fortalecido quando este absorve Métis, a deusa da sabedoria. Ora o eixo Gémeos-Sagitário que coloca, por via da regência domiciliar, Mercúrio e Júpiter a olharem-se de frente firma, desta forma, a palavra ou a razão diante da sabedoria. O conhecimento das coisas torna-se pois a sabedoria da coisa única. Este é o ar que se torna fogo. O elemento estruturante torna-se dinâmico, podendo este produzir a verdadeira mudança. Neste sentido, a seta de Sagitário tem um sentido literal, pois a sabedoria tem sempre um valor de propósito e finalidade.

  A respeito desta senda, Cícero, em Luculo (Academica priori), diz-nos o seguinte: “Pela minha parte, como não costumo coibir-me de discutir com todos quantos [têm por certo aquilo que julgam saber], não posso também recusar-me a admitir que haja quem não esteja de acordo comigo. A minha causa agora é fácil, já que não pretendo mais do que procurar a verdade com todo o interesse e esforço, mas sem facciosismo. A obtenção do conhecimento é sempre dificuldade por toda a espécie de obstáculos, uma mesma insuficiência decorre tanto da obscuridade das próprias matérias como da debilidade da nossa capacidade de julgar, pelo que não é sem razão, que os mais antigos e cultos filósofos duvidaram da possibilidade de encontrar o que procuravam; mas mesmo assim nem eles desistiram, nem eu abandonarei, cansado, o meu empenho em investigar a verdade.” (III, 7 in Textos Filosóficos, 2 ed., trad. J. A. Segurado e Campos, 99-100. Lisboa, 2018: Fundação Calouste Gulbenkian). A sabedoria e a verdade são ideias jupiterianas cujo valor se reacende neste novilúnio. Esta é uma luz de transformação e uma via que, embora exigente e incerta, nos conduz à felicidade.

  Em Gémeos, a discussão das ideias leva-nos ao conhecimento, mas, em Sagitário, coloca-nos no caminho da sabedoria. Se, de um ponto de vista da astrologia helenística, observarmos as atribuições planetárias dos termos egípcios, podemos constatar que só os signos regidos por Júpiter é que concedem mais de metade dos seus graus aos benéficos (Sagitário 17 graus e Peixes 16 graus). As dádivas da sabedoria e da verdade estão aqui particularmente activas. Séneca, na obra Dos Benefícios, alerta-nos para aceitação do destino como via de sabedoria e verdade quando afirma o seguinte: “Considera também isto, nada que seja externo obriga os deuses, pelo contrário, a sua vontade é eterna e segue a sua própria lei. O que eles estabeleceram não muda. Não parece que vão fazer algo que não queiram. Seja o que for que não possam parar, eles querem que continue a mover-se; eles nunca se arrependem do plano que inicialmente conceberam. Certo é que não podem ficar parados, nem afastar-se para o lado, mas a única razão é que a sua própria força os prende ao seu propósito; permanecem firmes, não por fraqueza, mas porque não lhes agrada afastar-se da perfeição, e porque assim se devem mover. Desta forma, naquela primeira dispensação, quando o cosmos se formou, eles até tiveram em consideração o nosso lote, e preocuparam-se com a humanidade. Por isso, não se pode dizer que percorram os céus e desenvolvam a sua obra apenas para si próprios, pois também nós fazemos parte dessa obra.(De Beneficiis 6.23. Seneca: How to Give - An Ancient Guide to Giving and Receiving, selected, translated, and introduced by J. S. Romm, 198-201. Princeton and Oxford, 2020: Princeton University Press. A tradução do latim é da minha responsabilidade).

  A inevitabilidade, a lei de Adrasteia, é uma realidade que conjuga os sentidos profundos de Júpiter e Saturno. Ora Saturno em Peixes, acompanhado por Neptuno, junto ao Poente vem trazer, uma vez mais, a aceitação do destino como integração da totalidade. A visão da montanha não é nem determinista, nem fatalista, é sim a compreensão serena de que tudo o que está em movimento concorda consigo mesmo. A necessidade é a mãe do destino, da fortuna. No entanto, o individualismo exacerbado teme esta visão, pois pensa que retira a liberdade, mas ignora que a visão da montanha é a forma suprema de liberdade.

  A co-presença de Marte com a sizígia, pelo segundo novilúnio consecutivo, e agora fora do domicílio e do segmento, adensa uma certa rebeldia ou desejo de mudança. Esta conjunção não pede para se abrir os horizontes, exige. Os jovens activistas climáticos estão aqui incluídos e, na verdade, o problema não está nem no facto de não terem razão, porque têm, nem na forma dos protestos, porque também com palmadinhas nas costas não se muda nada, a questão está no olhar dos outros que simplesmente não quer ver. Existem, porém, alguns elementos disruptivos. Primeiro, o Júpiter de Sagitário que deseja afirmar, enquanto o de Peixes procura estabilizar, não faz qualquer aspecto à sizígia, permanece desligado, passivo, face ao encontro dos luminares. Depois, a quadratura de Saturno e Neptuno em Peixes vai mostrar que esta mudança não será rápida, pois existe uma resistência estrutural à transformação dos modos de vida.

  Por outro lado, por não existir nenhum astro no quadrante da ascensão à culminação, a atenção foca-se nos planetas que, embora altos, já estão em queda, ou seja, em Úrano e Júpiter em Touro, na IX, mas sobretudo na via luminar mais abrangente em que se insere a sizígia. O caminho que se estende hexagonalmente de Plutão em Capricórnio a Vénus em Escorpião contempla aquilo que Antero de Quental inscreveu no soneto “Mors-Amor” e que já foi abordado noutras reflexões. A união simbólica, conceptual e existencial do Amor e da Morte possui um carácter transformador essencial e que, visceralmente, reduz a realidade ao que é fundamental. Esta via, passando pelo Tártaro profundo, confere pois uma proposta de refundação.    

  Paralelamente, existem outros dois aspectos que se relacionam com esta via luminar. A oposição ou diâmetro, como diriam os antigos astrólogos, entre Vénus em Escorpião e Júpiter (e Úrano) em Touro marca uma época quase solsticial e natalícia. Ora, seguindo a lição de Petosíris, uma oposição ou quadratura entre os benéficos nunca é má, excepto se acompanhada pelos maléficos, o que não é o caso. Assim, esta ligação de Vénus a Júpiter tem um efeito de dádiva e de uma atribuição positiva de valor ao eixo de sentido que se estende entre a vida e a morte.

  Por outro lado, o sextil entre Vénus em Escorpião e Saturno e Neptuno em Peixes vai colocar o amor e a morte na roda da necessidade. Face ao destino, o amor possuirá ou deverá possuir um carácter universal. Este é a teia que une tudo e todas numa simpatia universal, na Anima Mundi. Na astrologia esotérica, Neptuno tem um tom similar ao de Vénus, mas numa oitava acima, ou seja, na música das esferas, o amor ecoa pelo universo. Na verdade, para o astrólogo tradicional que siga o saber antigo e hermética, esta é somente uma expressão da exaltação de Vénus em Peixes. Júpiter e Úrano em Touro acompanham, também em sextil, a ligação da Vénus de Escorpião a Saturno e Neptuno em Peixes. Porém, a retrogradação de ambos vai restringir ainda a efectivação das suas bênçãos. Elas surgem no horizonte, mas não se tornam acção. Podemos ver aqui a situação dos civis palestinianos. Todos, com bom senso, vêem nos actos praticados crimes de guerra, crimes contra humanidade, todavia, face ao genocídio, permanecem imóveis, incapazes de produzir justiça e mudança.

  Neste novilúnio, os aspectos ao corpo do Dragão da Lua são igualmente significativos. No eixo da identidade, aquele que une Carneiro a Balança, a unidade e a dualidade, ou seja, o conheci de si como via de alteridade, surgem outros desafios. Sob a égide do destino e da necessidade, o eu enfrenta o mistério do outro. A luz da sabedoria, como proposta do novilúnio, une agora, de forma bem-aventurada (trígono à Caput e sextil à Cauda), a sizígia e Marte em Sagitário ao Dragão da Lua. O guardião da Lua, este dragão que cinge a luz, permitindo o seu reconhecimento, pois só depois de ver a sombra é que se reconhece a luz, vai conceder-nos, como bênção no caminho, a dádiva da sabedoria. No entanto, o gesto de seguir a sabedoria, ao oferecer a passagem do destino à necessidade, implica sempre um acto voluntário. É preciso ter iniciativa. Depois do despojamento de si, a sabedoria mantém aqueles que a seguem para além da fortuna.

  Por fim, é preciso referir a posição de Mercúrio (e Plutão) em Capricórnio. No signo da finalidade, onde agora o poder da palavra e o poder da morte se expressam, a fortuna outorga uma possibilidade de futuro. Esta potência, anunciando a época zodiacal seguinte, tem um valor de dádiva (trígono a Júpiter e Úrano e sextil a Vénus, Saturno e Neptuno). Porém, esta bênção de futuro, alertando-nos que a palavra tem um poder transformador (conjunção Mercúrio-Plutão), colide com o Dragão da Lua e com as exigências autocentradas da identidade (quadratura ao eixo nodal). O poder da palavra pode elevar-nos pois ao cume da montanha ao afundar-nos nas profundezas da nossa desmedida. A desinformação, o discurso único e a intolerância podem assim minar este potencial de dádiva.  

  O novilúnio de Dezembro, o último de 2023, transporta-nos, desta forma, para a mensagem de Sagitário e para a luz da sabedoria. A imagética, mesmo com reservas mitológicas, coloca-nos perante um centauro erguido, lançando a sua seta, e revela-nos que o elemento de passagem entre o animal e o humano acontece apenas devido à luz da sabedoria. Devemos assim segui-la e deixar que transforme as nossas vidas.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Lua Nova em Sagitário

 Reflexões Astrológicas


Lunações



Lua Nova em Sagitário

Lisboa, 22h57min, 23/11/2022

 

Sol-Lua

Decanato: Mercúrio

Termos: Júpiter

Monomoiria: Marte 

 

  A Lua Nova de Novembro ocorre no signo de Sagitário, com Leão a marcar a hora para o tema de Lisboa, e assim na V, no Lugar da Boa Fortuna (ἀγαθή τύχη), no decanato de Mercúrio, nos termos de Júpiter e na monomoiria de Marte. A sizígia dá-se, desta forma, abaixo do horizonte e cerca de três horas e meia após o pôr-do-sol. O Sol encontra-se pois desfavorecido por estar fora do seu próprio segmento de luz (αἵρεσις) e abaixo do horizonte, já a Lua colhe as bênçãos da noite, embora esteja num signo masculino. Recupera-se também aqui o elemento Fogo, ausente no tema do eclipse lunar, e que reforça a força do intelecto.

  Consequentemente, a luz da sizígia, agora num signo de Fogo, encontra-se sob a terra, no útero de Gaia. O olhar fixa-se então em Marte, como luz ascendente, e em Júpiter e Saturno, como luzes que descendem. Úrano é a luz mais alta e Neptuno ladeia Júpiter na sua queda. Porém, à hora do encontro dos luminares, todas estes planetas, com a excepção de Saturno que se encontra conjunto ao Ponto do Ocaso, se encontram retrógrados. Júpiter ficará directo cerca de cinco minutos após a sizígia.

  Esta retrogradação, no hemisfério superior do tema, é particularmente significativa. Saturno desaparece no horizonte e Marte, Úrano, Júpiter e Neptuno iludem o olhar com seu movimento de retorno. Esta ilusão do movimento consagra a sua impotência, a negação da potencialidade. O movimento volta a si mesmo, anulando o potencial de acção. É um solipsismo e um ensimesmamento radical. No entanto, como o movimento se estende no espaço e no tempo, esta negação tem uma temporalidade restrita. A anulação do acto e o retorno a si tem um fim. A questão que se coloca é saber se o período de ensimesmamento produziu uma finalidade, um propósito que imerge de si mesmo e se torna acção.

  Uma Lua Nova em Sagitário obriga, de um outro modo, a reflectir sobre este signo de passagem entre o animal e o humano. Se pensarmos no sistema tópico de casas, tal foi primeiramente descrito, no século I EC, por Trasilo no Pínax (CCAG VIII/3: 99-101), e segundo a ordem vernal, Sagitário ocupa então a IX, o lugar de Deus, já se olharmos para o mesmo sistema, mas segundo a ordem do Thema Mundi, o arqueiro ocupa a VI, o lugar da Má Fortuna, e é o outro signo, regido por Júpiter (Peixes), que ocupa a IX, o lugar de Deus. Este aspecto firma um sentido profundo, pois obriga, por um lado, a recuperar o potencial significativo do Thema Mundi e, por outro, coloca o valor conceptual de Sagitário para além da Sabedoria, frisando, todavia, a mediação entre a luz e a sombra, entre o divino e o humano e entre o humano e o animal.    

  Se o eixo-matriz do horizonte for, desta forma, o de Caranguejo-Capricórnio, tal descreve o Thema Mundi e seguindo a herança dos mistérios de Mitra, então o eixo da pós-ascensão e do pós-declínio, daqueles que se seguem ao orto e ao ocaso, é o de Gémeos-Sagitário. Curiosamente, ou não, este são os únicos signos duais de natureza diversa (Peixes apresenta dois animais ou dois deuses de natureza similar). Gémeos, segundo o mito de Pólux e Castor, apresentam um ser de natureza divina ou semidivina e outro de natureza humana, já Sagitário indica um ser que é parte humano e parte animal.

  Sagitário é tradicionalmente associado ao centauro e se este for Quíron, o seu pai será Cronos/Saturno, o regente do signo que, no Thema Mundi, está no Ocaso. Porém, os centauros não utilizavam o arco e a flecha, o que leva Ps. Erastótenes a dizer que este será Croto, o sátiro filho de Pã e Eufeme (cf. Rodolfo Miguel de Figueiredo, Fragmentos Astrológicas, 2021: 137-8, 149-50, 155-6). Neste caso, Pã relaciona-se com o carácter telúrico de Hermes/Mercúrio (regente de Gémeos). Por outro lado, a relação de Croto com as Musas aponta para a IX, o lugar de Sagitário na ordem vernal. Ora é o elemento de passagem entre o animal e o humano que sobressai neste novilúnio. Podemos, no entanto, congregar todas estas referências na mediação que a Sabedoria eleva entre as trevas e a luz, ou seja, a Sabedoria funda o humano e aquele que a rejeita está mais próximo da bestialidade do que da humanidade.    

  A Lua Nova de Sagitário, na V, no lugar da Boa Fortuna, faz desta Sabedoria, uma promotora de abundância e torna-a, como elemento de passagem, finalidade e destino. E se pensarmos bem, vemos, sem sombra de dúvida, o quanto o mundo precisa de uma refundação segundo a Sabedoria. Porém, a Sabedoria exige esforço e, para se tornar a fonte da abundância, é necessário uma rejeição – a negação que anteriormente falávamos – da superficialidade. Marte em Gémeos, opondo-se à sizígia, e como grande maléfico do tema, aquele que se encontra no seu segmento de luz e acima do horizonte, firma-se na liquidez da palavra, na mediação distorcida das falsas narrativas e na viagem pela dualidade.  

  No caminho da luz que avança pelo submundo, é o Sol que caminha na dianteira, seguido pela Lua, por Vénus e por Mercúrio, duas estrelas do entardecer que assumem um carácter feminino, imaginativo e intuitivo. Existe pois, nesta senda nocturna, uma acção criativa, um acto inaugural que acorda no raiar da aurora. Este é um novilúnio em que a condição de espera, da virtude da paciência e da tolerância, estará exacerbada. É o momento precioso e único em que o arqueiro espera pelo destino da seta lançada. Pelo caminho, a seta cruzará o lugar mais profundo do submundo (o IC) e a Cauda Draconis, lançando-se no destino e na morte, na destruição de si mesma.  

  Júpiter e Neptuno em Peixes trazem, nesta lua nova, até pelo fim anunciado da retrogradação de Júpiter e pela quadratura à sizígia e a Vénus e Mercúrio, a passagem entre a dúvida e a esperança, ou a assunção da fé como a outra via do caminho da verdade. Pistis-Sophia, a deusa da gnose milenar, carrega assim, como anúncio de concórdia, essa união entre a dádiva de Sagitário e a dádiva de Peixes. No entanto, a concórdia entre a sabedoria e a fé exige um esforço. É o salto para o abismo, o precipitar-se do alto da montanha. A quadratura dos benéficos (Júpiter e Vénus) indica esse labor do bem que não anula a sua condição, mas frisa a necessidade de cuidado e diligência.

  Crisipo de Solos diz-nos que “a justiça existe por natureza e não por convenção” (SVF III, 308: φύσει τε τὸ δίκαιον εἶναι καὶ μὴ θέσει). Os sextis de Júpiter e Neptuno em Peixes a Úrano e à Caput Draconis em Touro e a Plutão em Capricórnio reforçam a qualidade primordial da justiça, o seu enraizamento na realidade. Naturalmente, quando se fala da justiça como condição natural é impossível não relacionar este espírito de Júpiter com o tempo e a necessidade, os atributos primordiais de Saturno. Estes aspectos anunciados inscrevem na liberdade a justiça e a necessidade, é portanto livre aquele que cumpre, que realiza o seu destino.

  O Dragão da Lua, após o fim da segunda época anual de eclipses, fortalece agora o seu sentido profundo. Fernando Pessoa definiu a Caput Draconis, afirmando que esta “é o escudo abstracto do destino” (Pessoa Inédito, ed. Teresa Rita Lopes, 1993: 41. Lisboa: Livros Horizonte). Na cabeça do Dragão da Lua, a Necessidade torna-se o fogo que, por ele lançado, ilumina a realidade, já a cauda chicoteia o real com o peso do destino, da retribuição. Este animal mítico é, na verdade, o derradeiro guardião do Sagrado Feminino, da Deusa da Lua. A relação de Júpiter em Peixes (sextil e trígono) e Saturno em Aquário (quadratura), bem como de Úrano de Touro (conjunção e oposição), de Neptuno em Peixes (sextil e trígono) e de Plutão em Capricórnio (sextil e trígono), ao Dragão da Lua no eixo Touro-Escorpião determina, deste modo, a força da roda da fortuna sobre a realidade e sobre o humano.

  Na continuidade da mensagem do Dragão da Lua, surge Saturno tanto por estar fora do seu segmento de luz como pela posição crepuscular. Este une-se, em sextil, ao Sol, à Lua, a Vénus e a Mercúrio, dando ao peso da Necessidade sobre a Sabedoria uma qualidade significativa, ou seja, o propósito da deusa Sophia, do Sagrado Feminino e da era do Espírito Santo, como rosto feminino da Trindade, torna-se cada vez mais claro. A humanidade só poderá ser uma unidade colectiva se o númen agregador for o da Grande Deusa. A passagem de Saturno, em 2023, de Aquário para Peixes, de um signo masculino para um feminino, cria essa ponte de sentido entre a humanidade e a totalidade.

  Existe, no entanto, e aliás como sempre, uma resistência patriarcal, mesmo daqueles que não se anunciam como prelados de valores misóginos e androcêntricos. A quadratura de Marte em Gémeos a Júpiter e Neptuno em Peixes e a oposição a Vénus em Sagitário cria, por um lado, uma tensão com ambos os benéficos (Vénus e Júpiter) e, por outro, um conflito com o princípio do Amor (Vénus) e com a sua exaltação (Neptuno), expressões do Sagrado Feminino. A força disruptiva de Marte em Gémeos, agora em retrogradação, corrompe o elemento mitológico de passagem entre o humano e o divino que o signo mutável de Ar nos propõe, apresentando-nos a ruína inevitável da influência de certos valores sobre o pensamento e os conceitos, sobre a palavra e o discurso. 

  A Lua Nova de Sagitário é a seta incandescente que ora alumia o céu estrelado, ora cai e incendeia. O fogo da Sabedoria tem, de facto, um potencial natural de iluminar a humanidade, mas reserva também para si, tal como a lição do estoicismo antigo nos anuncia, o poder de conflagrar o mundo, para o renovar ou o destruir.

Sol em Sagitário: De 22 de Novembro a 21 de Dezembro de 2022


Sol em Sagitário: De 22 de Novembro a 21 de Dezembro.

O Sol ingressa em Sagitário hoje às 08h21min.

sábado, 18 de dezembro de 2021

Lua Cheia - Eixo Gémeos/Sagitário: Reflexões Astrológicas

 Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Cheia: Eixo Gémeos – Sagitário


Lisboa, 04h35min, 19/12/2021

 

Lua

Decanato: Sol

Termos: Saturno

Monomoiria: Vénus   

 

Sol

Decanato: Saturno

Termos: Marte

Monomoiria: Saturno

 

            A última Lua do Cheia de 2021 coloca a Lua no seu próprio Segmento de Luz (αἵρεσις), acima do horizonte, sendo ela a luz mais alta, embora fixada no Lugar da Morte (VIII), no signo de Gémeos e com a Caput Draconis, no decanato do Sol, nos termos de Saturno e na monomoiria de Vénus. Já o Sol encontra-se em Sagitário, fora do Segmento de Luz, abaixo do horizonte, no Lugar do Viver (II), no decanato de Saturno, termos de Marte e monomoiria de Saturno. Com o Sol, mas para além dos seus raios encontra-se Marte e a Cauda Draconis. Ora este encontro, sem a qualidade abrasiva de que Marte poderia beneficiar, intensifica a força do elemento de passagem e do espírito de viagem, de travessia do rio da realidade, que é própria do eixo Sagitário-Gémeos. Porém e dado o eixo de lugares em que os luminares se firmam, a intensidade não possui um valor próprio e, neste caso, ou se eleva ou se afunda. A transformação nesta qualidade axial tem portanto um potencial de transformação que não é em si mesmo valorativo.

            Os luminares, entre o modo de vida (II) e a qualidade da morte (VIII), concedem a luz que permite encontrar o sentido do real. A união do Sol e da Lua com o corpo do Dragão da Lua, aquele que a 18 de Janeiro de 2022 deixará o eixo Sagitário-Gémeos, faculta a possibilidade de se enraizar o limite e o limiar da mensagem proposta. Essa passagem da Sabedoria à Palavra deixará de ser a luz que guia para voltar a ser mistério. O Dragão da Lua coloca sobre a vida o peso da Necessidade, é um agente do Destino e da Providência, daí que Vétio Valente diga, por exemplo, que o ponto quadrangular à Caput tem uma força anairética (Antologia, III, 9), ou seja, a criação e a destruição ou a acção e a retribuição são expressões do Dragão da Lua. Ora, neste plenilúnio, sobretudo pela proximidade dos luminares ao corpo do Dragão, existe uma dificuldade de efectivação na sua proposta de sentido. O caminho da Sabedoria à Palavra é renegado, é visto por uns e percorrido por poucos, e agora quando a sua proclamação está a terminar, a via da Morte ao Viver já surge no horizonte. Desta forma, será preciso fixar o valor nessa senda e encontrar o sentido da morte para transformar o modo de vida, o que já surge com clareza pelo facto do eixo do horizonte se estender de Escorpião a Touro.    

            O ponto proposto anteriormente por Valente encontra-se no mesmo signo onde está Neptuno e, embora já distante, contamina esse lugar com o elemento destruidor, e também devido à observância quadrangular dos luminares e de Marte, ou seja, a visão de totalidade que é o Amor de Deus (Neptuno em Peixes) não alimenta nem a Sabedoria, nem a Palavra, não é acolhida como a luz que guia, a grande iluminadora. Porém, Neptuno está na V, no Lugar da Boa Fortuna (ἀγαθή τύχη), mostrando como tanto a compaixão como a imaginação continuam a dar novos mundos ao mundo. E, no final do ano, quando Júpiter se juntar Neptuno, essa mensagem ganhará um novo fôlego, revelando-se, novamente, o poder da solidariedade.  

            Por outro lado, se Marte coloca a força e a tensão sobre os luminares e o Dragão da Lua, então Júpiter e Saturno estruturam a sua acção, concedendo-lhes tanto a matéria e a forma como a consciência íntima do espaço e do tempo, da justiça e da necessidade. O sextil de Júpiter e Saturno ao Sol, a Marte e à Cauda e o trígono à Lua e à Caput conduzem o humano e a humanidade à sua proposta de sentido, ou seja, a partir do Lugar sob Terra (IV) e junto ao Ponto Subterrâneo (IC), Júpiter e Saturno permitem a refundação das bases da realidade quer ao nível individual, quer na dimensão colectiva ou social. As lições do passado tornar-se-ão mais vivas, assinalando que se a história não se repete, repete-se o humano.  

           Contudo, por estarem fora do segmento dominante, a luz dos senhores do espaço e do tempo está diminuída, o que enfraquece a qualidade a benéfica de Júpiter e exacerba a qualidade maléfica de Saturno. Nestes tempos que vivemos, o bem e a justiça que a humanidade poderia criar e seguir desagregam-se e dispersam-se, esvaziando-se na espuma dos dias, e, de um outro modo, a retribuição, a consequência de uma ὕβρις, torna-se mais evidente e activa. Neste plenilúnio, a acção humana estará sobre um olhar atento e vigilante das Meras e a Roda da Necessidade há-de impor a sua gravidade, pois só assim poderá existir transformação.

        Um outro encontro que marca de forma indelével este plenilúnio é o de Mercúrio, Vénus e Plutão em Capricórnio, no Lugar da Deusa (III). No signo do poder e da culminação, a Palavra, o Amor e a Morte unem-se num único sentido, concentrando o potencial do futuro. Entre outras significações, esta é uma co-presença que pode dar origem a um novo movimento artístico, literário ou filosófico. Encontramos aqui as bases de um movimento assente num novo realismo que contraria as interpretações líquidas, dispersas e disformes que dominam o olhar actual sobre o mundo e sobre o humano. Capricórnio irá conceder o rigor que falta e a exigência que se rejeita, dar-lhe-á a precisão de uma finalidade.

        Face ao segmento de luz dominante, Vénus apresenta-se como o grande benéfico e, se pensarmos que Vénus está no Lugar da Deusa e a Lua é a luz mais alta, então concluímos, uma vez mais, que o Eterno Feminino marca o fim deste ano de 2021. Ora Vénus, com Mercúrio e Plutão, agrega-se numa simbiose de bênção e dádiva a Úrano em Touro (trígono) e a Neptuno em Peixes (sextil). A Revolução da Terra (Úrano em Touro) e o Amor de Deus (Neptuno em Peixes) fundem-se com o Poder da Palavra, do Amor e da Morte (Mercúrio, Vénus e Plutão em Capricórnio), concedendo ao mundo e ao humano um intenso potencial de transformação. Note-se que também aqui o feminino traz consigo a sua dádiva, pois estes aspectos têm a sua raiz em signos de Terra e de Água. Algo que é igualmente visível no trígono de Úrano a Plutão e nos sextis de Úrano a Neptuno e de Neptuno a Plutão. A Grande Mãe estende as suas mãos a quem luta pelo planeta e pela humanidade, desvelando o quanto ela se insurge e se revolta. Gaia é o ventre e o túmulo, a mãe, mas também o vulcão e o sismo.    

        Quando se fala de mudança, de transformação, ou até mesmo de revolução, existe sempre um movimento contrário, uma resistência que só é natural, porque a sombra continua a pesar sobre o humano. A sombra da personalidade e a penumbra que se estende sobre as relações sociais assenta numa teia de vaidade, de ilusão e de superficialidade. O lago de Narciso continua a colher o olhar e, numa Lua Cheia, onde os luminares se contemplam de frente, unindo-se e opondo-se, é fácil confundir a luz com o fogo-fátuo.

            Desta forma, a quadratura de Júpiter e Saturno a Úrano, unindo-se a partir do Lugar Sob a Terra (IV) com o Poente (VII), assinala que também as fundações da realidade encontram o seu fim, renovando-se e recriando-se, fazendo do velho o novo e do novo o velho. Os pilares do templo podem ruir para depois se erguerem num dolce stil novo, como diria Dante no Purgatório (XXIV, 57). Com esta quadratura, podemos ser os barqueiros das profundezas da realidade, sombrias e cristalizadas, ou os timoneiros da luz prometida e anunciada. Sob o brilho da Lua, de uma Lua Cheia, alta no céu, a Senhora da Luz, illuminata et iluminatrix, consagra a Nova Era, o Novo Humano.