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quarta-feira, 17 de março de 2021

Liz Greene: Do Ano Platónico ao Aion de Aquário: Exemplo Textual



Greene, L., 2018, Jung's Studies in Astrology: Prophecy, Magic, and the Qualities of Time, 161.

The so-called Platonic Year of 26,000 years was never described by Plato, as precession had not been discovered in his time. Plato defined the ‘perfect year’ as the return of the celestial bodies and the diurnal rotation of the fixed stars to their original positions at the moment of creation. The Roman astrologer Julius Firmicus Maternus, echoing Plato, discussed a great cycle of 300,000 years, after which the heavenly bodies will return to those positions that they held when the world was first created. Firmicus seems to have combined Plato’s ‘perfect year’ with the Stoic belief that the world undergoes successive conflagrations of fire and water, after which it is regenerated. But the Stoics did not describe any transformations of consciousness, as Jung did – only a precise replication of what had gone before. Various other authors of antiquity offered various other lengths for the Great Year, ranging from 15,000 years to 2,484 years. But none of these speculations was based on the movement of the vernal equinoctial point through the constellations. It was in modern astrological, Theosophical, and occult literature that Jung found inspiration for his own highly individual interpretation of the Aquarian Aion.



Greene, L., 2018, Jung's Studies in Astrology: Prophecy, Magic, and the Qualities of Time. Londres/ Nova Iorque: Routledge.

sábado, 10 de setembro de 2016

Diónysos e o Culto de Dionisíaco

Dossi, Dosso, Bacchus, c.1524. Colecção Privada
Fonte: http://www.wga.hu/support/viewer/z.html

  O culto de Diónysos é considerado como sendo posterior aos cultos tradicionais, todavia uma análise mais ampla, considerando outras regiões para além da Grécia continental e um período mais antigo, revelam o contrário, pois como diz Maria Helena da Rocha Pereira: "Os Gregos tinham a noção de que era de introdução recente. No entanto, sabe-se agora que algumas tabuinhas em Linear B, do séc. XIII a.C., contêm o nome de Diónisos junto do de outros deuses. Mais ainda, conhece-se actualmente uma inscrição votiva a Diónisos num templo de Ceos, onde o culto se efectuara sem descontinuidade desde o séc. XV a.C."(Pereira, 1997: 318). A conclusão da antiguidade de Diónysos e do seu culto permite que exista uma outra percepção da sua origem e dos seus atributos. A origem do culto está intimamente relacionada com a evolução das características da divindade que o preside. Segundo Burkert, "aparentemente, Dioniso pode ser descrito como deus do vinho e do êxtase embriagante. A embriaguês provocada pelo vinho, como alteração no estado de consciência, é interpretada como intervenção de algo divino. No entanto, a experiência dionisíaca excede largamente o aspecto alcoólico e pode ser totalmente independente dele. O 'devaneio' torna-se um fim em si mesmo"(Burkert: 318). Desta forma, só de uma forma imediata e redutora é que se pode considerar Diónysos o "deus do vinho e do êxtase embriagante", pois o vinho é só um meio para um fim que é independente e distinto da embriaguez.

  O devaneio que se procura na experiência dionisíaca é expresso pela "manía, palavra grega para este estado, designa, de acordo com a sua proveniência, em ligação etimológica com ménos, o 'frenesim', não um delírio em consequência da 'loucura', mas uma intensificação da 'força espiritual' autovivenciada. Todavia, o êxtase dionisíaco não é algo que é alcançado por um indivíduo só, mas um fenómeno de massas que se propaga de modo quase contagioso"(Burkert: 318). Este devaneio, este frenesim, procura iniciar, reforçar, estimular e intensificar a experiência espiritual, não de um indivíduo apenas, mas sim da comunidade. Para compreender este aspecto colectivo, lembremos o fragmento de Heraclito: "Por isso, é necessário seguir o comum; mas, se bem que o Logos seja comum, a maioria vive como se tivesse uma compreensão particular"(DK 22 B 2 e Kirk, Raven & Schofield: 193). Este não deve ser considerado no contexto da doutrina do Logos, mas sim na oposição feita entre o comum e o particular, pois é o comum que dá a ideia da unidade, enquanto que o particular dá asas à multiplicidade. O devaneio dionisíaco tem essa finalidade, a unidade, o comum, no sentido em que une uma força colectiva que ultrapassa e supera o seu domínio particular. Daí que Burkert diga que "Quem se entrega a este deus arrisca-se a perder a sua identidade social e a ser louco"(318). O seguidor do culto de Diónysos perde o seu lugar, confortável, na sociedade dos homens e une-se à totalidade divina numa experiência mística. Esta perspectiva pode ser comparada com a loucura divina, presente no Fedro de Platão, onde se diz que "existem duas espécies de loucura: uma nascida das enfermidades humanas e a outra provocada por um impulso divino que nos leva a abandonar os costumes habituais"(265a) e "no que respeita à divina, dividimo-la em quatro categorias que atribuímos a quatro deuses: a inspiração mântica a Apolo; a mística a Dioniso; a poética, por seu lado, às Musas; e, em quarto lugar o delírio amoroso, que afirmamos ser o mais excelente, atribuímo-la a Afrodite e a Eros."(265b). A experiência dionisíaca é uma loucura divina de carácter místico. O devaneio ou a loucura mística produzem "a fusão entre o deus e o seu adorador que ocorre durante esta metamorfose não tem paralelo no resto da religião grega" e "o sinal exterior e o instrumento da metamorfose provocada pelo deus é a máscara"(Burkert: 318), isto porque o deus quebra os laços, os nós, que unem a personalidade ao corpo. Diónysos liberta o homem dos seus limites e constrangimentos, supera a personalidade humana e coloca uma máscara no homem como símbolo dessa alteração, oferece-lhe uma imagem união primordial sem o eu ou o nome.

  Se, por um lado, Walter Burkert e Maria Helena da Rocha Pereira mostram a antiguidade do culto de Diónysos, por outro, os testemunhos clássicos, como o de Erwin Rohde, classificam Diónysos como o mais jovem entre os deuses, dizendo que o seu culto tem origem na Trácia. Segundo Rohde, "os mesmos gregos tinham declarado, muitas vezes e em várias ocasiões, que a pátria originária do culto de Dioniso era a Trácia" (308). Burkert diz que "o nome [de Diónysos] é um enigma"(II: 320), pois a sua etimologia não é totalmente grega, mas segundo a mitologia ele é filho de Zeus e de Sémele, esta a pedido de Hera pede para ver Zeus em todo o seu esplendor e é fulminada como uma árvore, para salvar o filho que repousava no ventre dela Zeus coloca-o na sua coxa para terminar a gestação. Daí que, segundo este autor, "a loucura do próprio deus delirante pode ser explicada com a ira de Hera. Hera representa a ordem normal da pólis. A inversão desta ordem é a ira de Hera. Ainda assim, é nesta inversão que Dioniso realiza a sua verdadeira natureza"(324). A oposição entre Hera e Diónysos adquire um carácter simbólico, pois opõe a ordem normal da pólis à sua total transgressão, em última instância podemos dizer que opõe nómos e physis. A oposição entre estas duas divindades também está presente na acção das ménades, estas abandonam o matrimónio e os filhos, situações consagradas a Hera, para se juntarem ao culto de Diónysos.

  Outro aspecto de Diónysos é a sua associação com as três fases da vida, respectivamente o nascimento, a morte e o renascimento. Aquando do nascimento "Hermes leva a criança divina e entrega-a às ninfas e ménades num local distante e misterioso chamado Nisa, onde Dioniso cresce para, mais tarde, regressar com poderes divinos"(Burkert: 324). Contudo, "o nascimento de Dioniso, celebrado no ditirambo, a sua primeira epifania, coincide com um 'sacrifício inefável', ao qual na realidade cultual corresponde o sacrifício do touro. Depois Dioniso desaparece no além, mas ele regressará e exigirá veneração de novo"(Burkert: 325). Diónysos experimenta a morte e sobrevive a ela, ele morre e renasce, entrega-se à morte e regressa imortal, daí que Heraclito diga que Hades e Diónysos são o mesmo, "pois se não fosse em honra de Dioniso que eles realizavam a procissão e cantavam o hino às partes pudendas, essa prática seria o acto mais vergonhoso; mas  Hades e Dioniso, por quem eles deliram e celebram as Leneias, são o mesmo"(DK 22 B 15 e Kirk, Raven & Schofield: 217). Diónysos é uma síntese da vida e da morte e o êxtase dionisíaco é o seu conhecimento, a sua experiência. 

  Este aspecto de nascer, morrer e renascer tornou-se propício à expansão dos mistérios na Grécia, daí que Burkert diga que "Dioniso é o deus da excepção. À medida que o indivíduo conquista a sua independência, o culto de Dioniso torna-se expressão da separação de grupos privados face à pólis. A par dos festivais dionisíacos públicos emergem mistérios privados em honra de Dioniso. Estes são esótericos e realizam-se durante a noite. O acesso é feito através de uma iniciação individual, teleté. A gruta ou a caverna báquica surge como um símbolo do secreto, do oculto e do transcendente"(554). Para além do aspecto já referido que diz respeito à oposição entre a ordem normativa da pólis e a sua superação e consequente libertação do indivíduo, estas afirmações apontam para mais dois aspectos de Diónysos e do seu culto, que são: o aspecto iniciático e o aspecto sexual. O primeiro inclui-se nos mistérios gregos, os de Elêusis e os Órficos, pois neste cultos a iniciação representam a morte e o renascimento do indivíduo, o que por si já está relacionado com as características do deus. O segundo surge, neste contexto, associado ao primeiro, pois a gruta representa um carácter iniciático e um simbolismo sexual, uma vez que esta é uma parte integrante da própria Terra, o feminino imanente. A associação fonética, em inglês, de womb and tomb também indica uma analogia entre os órgãos sexuais femininos e a própria Terra, tornando-os assim símbolos de nascimento, morte e renascimento. O simbolismo religioso da gruta, a par com a sua representação sexual, está presente nas religiões primitivas. Mircea Eliade diz: "Uma das primeiras teofanias da Terra, enquanto tal, enquanto sobretudo camada telúrica e profundidade ctónica, foi a sua 'maternidade', a sua inesgotável capacidade de dar fruto. Antes de ser considerada Deusa-Mãe, divindade de fertilidade, a Terra impôs-se como Mãe, Tellus Mater."(312-3).

   Diónysos é um deus com um carácter mais telúrico do que celeste, com uma expressão semelhante à de Pã, pois em muitas representações, sobretudo arcaicas, Diónysos aparece também com chifres e ambos têm como animais sagrados os animais com cornos: para Pã o bode e para Diónysos o touro. Se, por um lado, já se referiu a presença da simbologia sexual feminina, por outro lado, é o carácter fálico que se torna mais relevante neste culto, daí que "O significado do falo não é a procriação - as ménades defendem-se sempre da impertinência dos sátiros, se necessário com a ajuda do tirso. O falo é um elemento de excitação por si mesmo, e sobretudo também símbolo de algo extraordinário - uma procissão com um falo gigante faz também parte das Dionisías."(Burkert: 326-7). Desta forma, conclui-se que no culto dionisíaco existe um aspecto fálico que transmite o próprio devaneio e êxtase que lhe é inerente. O culto do falo relaciona-se com a orgia dionisíaca. Na orgia antiga e religiosa, a sexualidade tem uma natureza e expressão divinas, daí que se possa falar em hierogamos, ou seja, em casamento sagrado, no qual é celebrada a união dos dois aspectos, o masculino e o feminino, o céu e a terra. Com Diónysos, o hierogamos não têm um carácter de representação cósmica, como no culto de Hera e de Zeus, mas sim de celebração da fertilidade. Diónysos é um deus da terra e da natureza, tal como Pã, daí que a orgia seja uma celebração da fertilidade, o que pode está relacionado  com a actividade sexual. Mircea Eliade refere que "de modo geral, a orgia corresponde à hierogamia. À união do ar divino deve corresponder, na terra, o delírio genésico ilimitado. (…) A orgia faz circular a energia vital e divina"(442). Logo, na orgia dionisíaca, juntam-se sátiros e ménades num celebração da vida que oposta à realidade olímpica. Esta dimensão erótica do culto dionisíaco está presente nas palavras de Anacreonte:
Senhor, que tens os teus folguedos
com Eros dominador, as Ninfas de olhos negros
e Afrodite purpúrea,
tu vagueias pelos cumes altaneiros das montanhas.
Eu te imploro, e tu vem propício até nós,
Escuta a prece com agrado,
sê de Cleobulo o bom conselheiro, e recebe,
ó Diónisos, o meu amor 
(Frag. 2 Diehl e Pereira, 1998: 127).
Neste fragmento, encontramos a presença de um Eros dominador que demostra que a força erótica impõe-se, mesmo que de forma contrária à vontade prudente e à temperança, e exerce o seu poder ao lado das ménades,  das Ninfas de olhos negros, e da Afrodite purpúrea. O negro da noite e o vermelho do sangue unem-se nesta simbiose radical da vida e da origem.

   Diónysos é também o deus do teatro, do ditirambo e da tragédia. Arquíloco descreve essa característica quando diz: "Sei entoar a bela melodia do príncipe Diónisos, / o ditirambo, quando o vinho deflagrou como o raio no meu espírito."(Frag. 77 Diehl e Pereira,1998: 109). O vinho e o ditirambo são expressões de Diónysos, já que a produção do último resulta da libertação levada a cabo pelo primeiro, daí que Burket diga: "A identificação do deus e do hino extático no 'ditirambo' também podem ser contadas entre estes elementos antigos"(319) e "Tanto mais importante é Dioniso para a lírica coral do arcaico tardio, para a qual o 'ditirambo', tal como a tragédia, pertence ao quadro das festas de Dioniso"(321). Porém, a relação de Diónysos e a tragédia será tratada noutro momento, até porque terá de se ter em consideração o desenvolvimento que Nietzsche lhe deu. Em suma, devemos considerar Diónysos como uma divindade extremamente complexa que pode ser caracterizada segundo vários aspectos e de acordo com diversos símbolos.



Bibliografia:
Burkert - Burkert, Walter, Religião Grega na Época Clássica e Arcaica, p. 318. Tradução Manuel José Simões Loureiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian; 1993.
Eliade - Eliade, Mircea, Tratado de História das Religiões, p.312-3. Tradução Natália Nunes e Fernando Tomaz. Porto: Edições Asa, 1994 (1992). 
Kirk, Raven & Schofield - Kirk, G.S., J.E. Raven e M. Schofield, Os Filósofos Pré-Socráticos, 4ª Edição. Tradução Carlos Alberto Louro Fonseca. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. 
Pereira (1997) - Pereira, Maria Helena da Rocha, Estudos de Cultura Clássica, 8ª Edição, Volume I - Cultura Grega. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997(1964).
Pereira (1998) - Pereira, Maria Helena da Rocha, Helade - Antologia da Cultura Clássica, 7ª Edição, p.127. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 1998(1959).
Fedro - Platão, Fedro. Tradução José Ribeiro Ferreira. Lisboa: Edições 70, 1997.
Rohde - Rohde, Erwin, Psique - El Culto de las Almas y la Creencia en la Imortalidad entre los Griegos, 2 Volumes, Tradução Salvador Fernández Ramírez. Barcelona:Las Ediciones Liberales Editorial Labor, 1973.

domingo, 16 de agosto de 2015

Em Defesa da Astrologia


Muito se tem escrito, ao longo dos séculos, sobre a astrologia. Os seus críticos recorrem sempre aos mesmo argumentos. O primeiro de todos é que a astrologia não é uma ciência, uma vez que os seus pressuposto não podem ser comprovados pelo método científico. Actualmente, os astrólogos recorrem a todo o tipo de justificações para que a astrologia sejam considerada ciência, ou, na pior das hipóteses, uma ciência esotérica. Outros, fogem dessa aspiração e consideram a astrologia uma arte. No entanto, a astrologia não é nem uma coisa, nem outra, é acima de tudo uma forma de linguagem. A etimologia aponta para esse caminho astro + logía. Uma das traduções para logos é palavra ou discurso, logo linguagem. 

Walter Benjamin, na sua doutrina das semelhanças, coloca a astrologia na génese da faculdade mimética. O mapa astrológico é considerado uma representação da natureza e do real, uma criação da linguagem, enquanto construção de sentido para o instante analisado. É, desta forma, que a astrologia se transforma em linguagem. O horóscopo capta a totalidade do instante e confere-lhe um sentido, uma razão. Essa acção não poderia ser feita pela astronomia, enquanto ciência, pois esta analisa o nómos dos astros, a regra ou a ordem. 

A astrologia enquanto linguagem revela também uma intima relação com o mythos. A sua posição, em termos de conhecimento, é a mesma que observamos em Platão: quando a razão encontra os seus limites, o mito apresenta-se como sugestão de sentido. Os mitos são uma das bases para a construção das interpretações astrológicas. A natureza profunda do significado das constelações e dos astros baseia-se em mitos. Assim, todo a mitologia referente à Afrodite grega ou à Vénus romana está incluída no sentido do planeta Vénus, bem como cada um dos doze trabalhos de Hércules pode ser atribuído a um dos doze signos do Zodíaco. Esse processo de linguagem é próprio da astrologia. 

Se cada um dos elementos analisados no mapa astrológico é construído através da linguagem, da atribuição de sentido, é na análise completa e integrada desses elementos que encontramos uma visão de totalidade, uma poiesis do real. É por isso que algumas das críticas à astrologia perdem o seu fundamento. Por exemplo, uma das críticas é que a passagem do Sol pelas constelações é fixa, ou seja, quando a astrologia diz que o Sol está em Carneiro, em termos siderais, ele está em Peixes; outra é que Zodíaco é constituído por treze constelações e não por doze, pois entre Escorpião e Sagitário está a constelação de Ofíuco. Ora, se considerarmos a astrologia uma forma de linguagem, essa crítica perde a sua razão de ser. Primeiro, a correspondência real da posição do Sol face às constelações é menos importante para a astrologia do que a estrutura temporal do início e fim da passagem do Sol em cada signo, pois nela encontramos uma atribuição de sentido constante na análise do ano solar; e, segundo, em termos simbólicos, a divisão dos 360 graus do Zodíaco Tropical em doze é mais significativa do que em treze. 

Outro aspecto que é constantemente criticado na astrologia é o facto da elaboração do mapa astrológico se basear no Zodíaco Tropical, o que lhe atribui uma carácter geocêntrico. Ora se partirmos da noção que a astrologia é uma forma de linguagem, então a distinção entre o modelo geocêntrico e heliocêntrico não se coloca. O mapa astrológico é por essência antropocêntrico. até porque quando se elabora o mapa, os critérios primordiais são o de Tempo e de Espaço; data e hora e local. A importância do local faz com que o instante analisado seja num determinando ponto do planeta do Terra, e não na Terra como um todo. É o ser humano que é o centro, que totaliza no Espaço e no Tempo o sentido que se procura. Naturalmente, se o ser humano habitasse outro planeta, o referencial era outro também,

O conceito de Tempo é considerado uma debilidade do sistema conceptual astrológico, porém, deve-se ter em conta que estas críticas vêm da comunidade científica: da física e da astronomia. Ora o conceito de Tempo em astrologia situa-se entre a filosofia, a mitologia e a literatura. O Tempo é tanto a seta que avança como o círculo que a ele mesmo retorna. É essa ambivalência conceptual que permite à astrologia ser um modelo interpretativo original.

Por fim, a grande crítica, que atravessa os séculos, é a que a astrologia restringe a liberdade e fomenta o fatalismo, ou seja, impõe o determinismo e anula o livre-arbítrio. Essa é a crítica que vemos em Cícero ou em Pico della Mirandola. De facto, encontramos períodos da história em que a astrologia foi meramente uma mântica. Porém, como qualquer outra área do saber, a astrologia evoluiu e é hoje um sistema conceptual completo, próximo de áreas como a filosofia prática, a psicanálise ou a psicologia analítica. Em qualquer uma dessas áreas encontramos ideias, conceitos e arquétipos que servem para identificar caminhos e possibilidades, e não para limitar a liberdade humana. O livre-arbítrio pode conviver plenamente com a astrologia, pois, mesmo no conceito de destino, encontramos liberdade. Os acontecimentos e as suas interpretações apontam mais para uma didáctica do que para um determinismo. Desta forma, o astrólogo pode, numa consulta, proporcionar ao consultante uma interpretação dos estados psicológicos, por um lado, e, por outro, proceder a uma análise do tempo, do kairos, do momento oportuno, sem que isso interfira com a liberdade individual.

Em suma, se considerarmos a astrologia como linguagem, podemos incluí-la como um vector de saber adequado ao conhecimento do humano na sua totalidade. A astrologia como linguagem pode pôr fim a séculos de preconceitos e juízos erróneos.