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quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

O Sol Negro, a Luz da Escuridão, Jung e a Psicologia Profunda: Exemplo Textual

 

Marlan, S., 2005, The Black Sun: The alchemy and art of darkness,11-2.

  Jung’s exploration was influenced by the seventeenth-century alchemist Mylius, who refers to the ancient philosophers as the source of our knowledge about Sol niger. In several places in his collected works, Jung writes of Sol niger as a powerful and important image of the unconscious. To consider the image in the context of the unconscious is both to recognize its vastness and unknown quality as well as to place it in the historical context of depth psychology and of the psyche’s attempt to represent the unrepresentable. Imagining Sol niger in this way is to see it in its most general sense, but Jung has also extracted from the alchemical literature a rich and complex, if scattered, phenomenology of the image. The black sun, blackness, putrefactio, mortificatio, the nigredo, poisoning, torture, killing, decomposition, rotting, and death all form a web of interrelationships that describe a terrifying, if most often provisional, eclipse of consciousness or of our conscious standpoint. 

  The nigredo, the initial black stage of the alchemical opus, has been considered the most negative and difficult operation in alchemy. It is also one of the most numinous, but few authors other than Jung have explored the theme in its many facets. In addition to the aspects just described, Jung also finds in this image of blackness a nonmanifest latency, a shadow of the sun, as well as an Other Sun, linked to both Saturn and Yahweh, the primus anthropos. For the most part, Sol niger is equated with and understood only in its nigredo aspect, while its more sublime dimension—its shine, its dark illumination, its Eros and wisdom— remains in the unconscious. 

  I imagine my work on the black sun as an experiment in alchemical psychology. It is concerned with this difficult and enigmatic image and with our understanding of darkness. My contention is that darkness historically has not been treated hospitably and that it has remained in the unconscious and become a metaphor for it. It has been seen primarily in its negative aspect and as a secondary phenomenon, itself constituting a shadow—something to integrate, to move through and beyond. In so doing, its intrinsic importance is often passed over. This attitude has also been perpetuated in alchemy, which places darkness at the beginning of the work and sees it primarily in terms of the nigredo. Yet in its usage of the black sun there is a hint of a darkness that shines. It is this shine of the paradoxical image that captures my attention. How is it possible to imagine a darkness filled with light or a shine that contains the qualities of both light and darkness? 

  Jung has noted that darkness “has its own peculiar intellect and its own logic which should be taken very seriously,” and it is my intent to give darkness its due—not to rush beyond it but to enter its realm to learn more about its mysteries. To turn toward darkness in this way is an odd reversal of our ordinary propensity. To more fully understand the turn toward darkness it is first important to pause and consider how much the historical primacy of light has infused our understanding of consciousness itself. 

  The image of light and its corresponding metaphor of the sun are fundamentally intertwined with the history of consciousness. Our language demonstrates the pervasiveness of these images, and it is difficult to envision a way of thinking that does not rely on them. In myth, science, philosophy, religion, and alchemy we find these metaphors widely disseminated. Our language is filled with metaphors of illumination: to bring to light, to make clear, to enlighten, and so on, all serve in these and in many other contexts.



Marlan, S., 2005, The Black Sun: The alchemy and art of darkness. College Station: Texas A & M University Press.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Algumas Reflexões Mitológicas acerca do Signo de Escorpião

Constelação de Escorpião

Escorpião é o oitavo signo do Zodíaco e forma com Touro o eixo que indica a oposição/complementaridade entre a Vida e a Morte. Na viagem da alma, o Eu conhece os mistérios da criação. O Bíos de Touros une-se ao Thánatos de Escorpião, expressando o sentido da própria natureza. O elemento estrutural da Terra funde-se ao elemento dinâmico que é a Água. 

Na atribuição dos Doze Trabalhos de Herácles a cada um dos signos, Escorpião é simbolizado pela destruição da Hidra de Lerno. A hidra, que, por vezes, é representada como uma serpente, nasceu da relação entre Tífon e Equidna, com corpo de cão e com nove cabeças, umas das quais era imortal. Hera criara este ser com a intenção de matar Herácles. O monstro ameaçava a fertilidade daquela terra e transformara o pântano que lá existia num lugar fétido. A destruição da Hidra tornou-se assim num imperativo, daí que Euristeu fizesse da sua morte um dos trabalhos do herói. Atena, ajudando Herácles, pondera sobre a melhor forma de matar a Hidra. Desta forma, seguindo os conselhos da deusa, Herácles fez com que o monstro deixasse o seu covil. Lançou-lhe flechas em chamas. A Hidra deixou, por fim, o seu refúgio e é nessa altura que o herói a deteve. Tentou feri-la com uma maça, mas em vão, pois sempre que lhe cortava uma cabeça cresciam outras três.
Guido Reni, Hércules derrotando a Hidra de Lerna, 1617-20. Paris: Museu do Louvre. 

Hera não estava satisfeita com a possível morte da criatura e tentou encontrar uma forma de a socorrer. "Um enorme caranguejo irrompeu do pântano para ir ajudar a Hidra, e mordeu os pés de Herácles que, furioso lhe esmagou a casca, gritando ao mesmo tempo por Iolau" (Graves, 476). O amigo do herói e seu companheiro de viagem ateou fogo ao bosque circundante, restringindo assim os movimentos da Hidra. Depois, começaram cauterizar as cabeças cortadas do monstro, impedindo assim que lhe nascessem outras. Héracles percebeu a sua vantagem e, munido da sua espada, cortou a cabeça imortal da Hidra e enterrou-a. Hera, apesar do desagrado, recompensou o caranguejo e colocou-o entre as estrelas, tornando-o o quarto signo do Zodíaco. Euristeu, contrariado pela ajuda de Iolau, deu o trabalho como cumprido.

Junito de Souza Brandão, na sua obra Mitologia Grega, considera que este mito simboliza, por um lado, um ritual aquático, baseando-se na natureza da Hidra, e, por outro, numa superação ou sublimação dos vícios que são representados pela natureza do pântano onde o monstro habitava. Alice A Bailey diz que "Hércules faz três coisas: ele reconhece a existência da hidra, procura pacientemente por ela, e finalmente a destrói. É necessário ter discriminação para reconhecer a sua existência; paciência para descobrir a sua toca; humildade para trazer lodosos fragmentos do subconsciente à superfície, e expô-los à luz da sabedoria." (140).

Em Carneiro, nasce a personalidade, em Leão, a individualidade, mas é em Escorpião que se dá a morte do Ego e o renascimento de um novo ser, um ser integrado num mundo, apto para se aproximar do véu da Sabedoria, condição esta que se dá em Sagitário. Este processo de integração e de realização vai atingir o fim de um ciclo em Peixes, quando se der a fusão do Eu com o plano divino. A individualidade entrega-se à cruz, a centelha une-se ao fogo divino, daí que, em termos elementais, se deva fazer a distinção entre elementos estruturais - Terra e Ar - e elementos dinâmicos - Água e Fogo. É na passagem entre os dois elementos dinâmicos que se operam as grandes transformações. A morte inicia-se na Água e o renascimento atinge o seu auge no Fogo. É nos signos de Água que o Eu encontra as três mortes: em Caranguejo, rompe-se o cordão umbilical da Natureza e nasce a Luz da individualidade; em Escorpião, perece o Ego e a vida instintiva e renasce um novo ser, um Humano preparado para conhecimento de Sophia; e, em Peixes, o Humano sacrifica a sua identidade, unindo-se à origem, e renasce uno com Deus.

A morte que ocorre em Escorpião está também intimamente ligada com a união sexual, daí que seja neste signo que o binómio Amor e Morte tenha a sua maior expressão. Em Touro, o amor é Vénus e, em Escorpião, é Marte. É importante fazer esta distinção, pois é através dela que se compreende a grande diferença nas pulsões sexuais. Escorpião é a sede do desejo e do instinto, é uma natureza sem rédeas, nem freios. O mito de Herácles e da Hidra refere também essa ligação à natureza através da inclusão de um caranguejo na sua história. Em Caranguejo, a Natureza opera em silêncio e cria a vida, já em Escorpião, a natureza apresenta-se na sua dimensão destruidora, ela é o vulcão que entra em erupção. A destruição e a morte que são próprios deste signo não são um fim em si mesmo, são sim uma condição de possibilidade, um processo de transformação.

Outro mito que é inseparável da natureza de Escorpião é o do Órion. Órion era um caçador da Híria, filho de Posídon e de Euríale, e um homem de beleza imensa. A certa altura, quando chegou à ilha de Quios, Órion apaixonou-se por Mérope, filha de Enópion e neta do deus Diónysos. Enópion disse que daria a mão da sua filha, se o famoso caçador matasse todas as feras que ameaçavam as redondezas. Órion cumpriu a tarefa. Porém, Enópion, que queria Mérope para si, argumentou, referindo que ainda existiam leões, ursos, lobos e outros animais perigosos. Órion sentiu-se desmotivado por uma  tarefa sem fim e, numa certa noite, depois de ter bebido demais, entrou no quarto de Mérope e forçou a união. Enópion, furioso, pediu a Diónysos que o vingasse. O deus do entusiasmo ordenou que um grupo de sátiros o embebedassem. Órion estava quase inconsciente e, nesse momento, Enópion abeirou-se do herói e arrancou-lhes os olhos e abandonou-o. Órion para recuperar a visão teria de viajar para este e vislumbrar Hélios de frente, teria de se deixar banhar pelo Sol nascente. O caçador assim o fez. Apolo, que tinha ciúmes do herói pela sua recente união com Eos, fez com que Gaia enviasse um escorpião gigante para o eliminar. Órion lutou com o perigosos animal, mas foi incapaz de o ferir. Teve, portante, de fugir, de lançar-se ao mar e nadar para longe. Apolo, temendo que a irmã Ártemis se apaixonasse por Órion, tal como acontecera com Eos, criou um embuste. Disse a Ártemis que aquele que nadava, lá ao longe, era o devasso que seduzira uma das suas sacerdotisas hiperbóreas, depois desafiou-a, perguntando-lhe se era capaz de o matar com uma seta certeira, desferida do seu arco preciso. Ártemis assim o fez. Quando percebeu o engano, lamentou a morte do herói e pediu a Asclépio para o ressuscitar, mas Zeus impediu-o. Desta forma, a única forma de recompensa foi colocá-lo no céu, entre as estrelas, juntamente com o escorpião que o perseguiu.    

Este dois mitos, aos quais ainda se podia juntar o de Orfeu e de Eurídice, têm elementos comuns que são fundamentais para compreensão do signo de Escorpião. O sexo, a violência, a luta, os desafios, a morte e o renascimento são características que se fundem e que, juntas, confirmam a natureza deste senhor do Zodíaco. 

O peregrino do Zodíaco, o Eu em viagem, enfrenta o grande desafio, a luta pela sua identidade. Para sair vitorioso, tem de perder o que trazia consigo. O medo, os vícios, as prisões do Ego têm de ser eliminadas. É então que o herói enfrenta a morte, a sua própria morte, só assim poderá renascer. E este renascimento, esta conquista da Luz só é possível com a ajuda da Deusa. O arquétipo feminino é a luz no caminho, a recompensa no termo da viagem.   



Bibliografia:
Bailey, Alice A., Os Trabalhos de Hércules. Tradução J. Treiger. Niterói (Rio de Janeiro - Brasil): Fundação Avatar, 2008.
Brandão, Junito de Souza, Mitologia Grega, 3 Volumes. Petrópolis (Brasil): Editora Vozes, 2007.
Graves, Robert, Os Mitos Gregos. Tradução Fernanda Branco. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 3ª Edição, 2004.
Sicuteri, Roberto, Astrologia e Mito. Tradução Pier Luigi Cabra. São Paulo (Brasil): Editora Pensamento, 1994. 

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Da Música como Expressão Divina

O universo tem a sua música, mas nós ignoramos os seus acordes. A divindade criou a sua melodia, mas nós somos incapazes de a ouvir. A harmonia das esferas ecoa, com as suas notas, por todas as galáxias. A música é uma linguagem divina que eleva as almas até ao dimensão do sublime. Todas as outras formas de linguagem têm as suas limitações, a música consegue, no entanto, ultrapassar as fronteiras da razão e da consciência, alcançando o poder ilimitado da sugestão. A música assemelha-se ao mito, pois não diz, mas infere um sentido que está para além daquilo que pode ser pensado. Quem tiver ouvidos para ouvir que oiça a escala divina de notas que criaram o céu e a terra. Esse será a nossa sabedoria, a nossa salvação.  


Pitágoras, Pormenor do Fresco A Escola de Atenas de Rafael (1509-1510). Vaticano: Palácio Apostólico.