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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Algumas Reflexões Mitológicas acerca do Signo de Escorpião

Constelação de Escorpião

Escorpião é o oitavo signo do Zodíaco e forma com Touro o eixo que indica a oposição/complementaridade entre a Vida e a Morte. Na viagem da alma, o Eu conhece os mistérios da criação. O Bíos de Touros une-se ao Thánatos de Escorpião, expressando o sentido da própria natureza. O elemento estrutural da Terra funde-se ao elemento dinâmico que é a Água. 

Na atribuição dos Doze Trabalhos de Herácles a cada um dos signos, Escorpião é simbolizado pela destruição da Hidra de Lerno. A hidra, que, por vezes, é representada como uma serpente, nasceu da relação entre Tífon e Equidna, com corpo de cão e com nove cabeças, umas das quais era imortal. Hera criara este ser com a intenção de matar Herácles. O monstro ameaçava a fertilidade daquela terra e transformara o pântano que lá existia num lugar fétido. A destruição da Hidra tornou-se assim num imperativo, daí que Euristeu fizesse da sua morte um dos trabalhos do herói. Atena, ajudando Herácles, pondera sobre a melhor forma de matar a Hidra. Desta forma, seguindo os conselhos da deusa, Herácles fez com que o monstro deixasse o seu covil. Lançou-lhe flechas em chamas. A Hidra deixou, por fim, o seu refúgio e é nessa altura que o herói a deteve. Tentou feri-la com uma maça, mas em vão, pois sempre que lhe cortava uma cabeça cresciam outras três.
Guido Reni, Hércules derrotando a Hidra de Lerna, 1617-20. Paris: Museu do Louvre. 

Hera não estava satisfeita com a possível morte da criatura e tentou encontrar uma forma de a socorrer. "Um enorme caranguejo irrompeu do pântano para ir ajudar a Hidra, e mordeu os pés de Herácles que, furioso lhe esmagou a casca, gritando ao mesmo tempo por Iolau" (Graves, 476). O amigo do herói e seu companheiro de viagem ateou fogo ao bosque circundante, restringindo assim os movimentos da Hidra. Depois, começaram cauterizar as cabeças cortadas do monstro, impedindo assim que lhe nascessem outras. Héracles percebeu a sua vantagem e, munido da sua espada, cortou a cabeça imortal da Hidra e enterrou-a. Hera, apesar do desagrado, recompensou o caranguejo e colocou-o entre as estrelas, tornando-o o quarto signo do Zodíaco. Euristeu, contrariado pela ajuda de Iolau, deu o trabalho como cumprido.

Junito de Souza Brandão, na sua obra Mitologia Grega, considera que este mito simboliza, por um lado, um ritual aquático, baseando-se na natureza da Hidra, e, por outro, numa superação ou sublimação dos vícios que são representados pela natureza do pântano onde o monstro habitava. Alice A Bailey diz que "Hércules faz três coisas: ele reconhece a existência da hidra, procura pacientemente por ela, e finalmente a destrói. É necessário ter discriminação para reconhecer a sua existência; paciência para descobrir a sua toca; humildade para trazer lodosos fragmentos do subconsciente à superfície, e expô-los à luz da sabedoria." (140).

Em Carneiro, nasce a personalidade, em Leão, a individualidade, mas é em Escorpião que se dá a morte do Ego e o renascimento de um novo ser, um ser integrado num mundo, apto para se aproximar do véu da Sabedoria, condição esta que se dá em Sagitário. Este processo de integração e de realização vai atingir o fim de um ciclo em Peixes, quando se der a fusão do Eu com o plano divino. A individualidade entrega-se à cruz, a centelha une-se ao fogo divino, daí que, em termos elementais, se deva fazer a distinção entre elementos estruturais - Terra e Ar - e elementos dinâmicos - Água e Fogo. É na passagem entre os dois elementos dinâmicos que se operam as grandes transformações. A morte inicia-se na Água e o renascimento atinge o seu auge no Fogo. É nos signos de Água que o Eu encontra as três mortes: em Caranguejo, rompe-se o cordão umbilical da Natureza e nasce a Luz da individualidade; em Escorpião, perece o Ego e a vida instintiva e renasce um novo ser, um Humano preparado para conhecimento de Sophia; e, em Peixes, o Humano sacrifica a sua identidade, unindo-se à origem, e renasce uno com Deus.

A morte que ocorre em Escorpião está também intimamente ligada com a união sexual, daí que seja neste signo que o binómio Amor e Morte tenha a sua maior expressão. Em Touro, o amor é Vénus e, em Escorpião, é Marte. É importante fazer esta distinção, pois é através dela que se compreende a grande diferença nas pulsões sexuais. Escorpião é a sede do desejo e do instinto, é uma natureza sem rédeas, nem freios. O mito de Herácles e da Hidra refere também essa ligação à natureza através da inclusão de um caranguejo na sua história. Em Caranguejo, a Natureza opera em silêncio e cria a vida, já em Escorpião, a natureza apresenta-se na sua dimensão destruidora, ela é o vulcão que entra em erupção. A destruição e a morte que são próprios deste signo não são um fim em si mesmo, são sim uma condição de possibilidade, um processo de transformação.

Outro mito que é inseparável da natureza de Escorpião é o do Órion. Órion era um caçador da Híria, filho de Posídon e de Euríale, e um homem de beleza imensa. A certa altura, quando chegou à ilha de Quios, Órion apaixonou-se por Mérope, filha de Enópion e neta do deus Diónysos. Enópion disse que daria a mão da sua filha, se o famoso caçador matasse todas as feras que ameaçavam as redondezas. Órion cumpriu a tarefa. Porém, Enópion, que queria Mérope para si, argumentou, referindo que ainda existiam leões, ursos, lobos e outros animais perigosos. Órion sentiu-se desmotivado por uma  tarefa sem fim e, numa certa noite, depois de ter bebido demais, entrou no quarto de Mérope e forçou a união. Enópion, furioso, pediu a Diónysos que o vingasse. O deus do entusiasmo ordenou que um grupo de sátiros o embebedassem. Órion estava quase inconsciente e, nesse momento, Enópion abeirou-se do herói e arrancou-lhes os olhos e abandonou-o. Órion para recuperar a visão teria de viajar para este e vislumbrar Hélios de frente, teria de se deixar banhar pelo Sol nascente. O caçador assim o fez. Apolo, que tinha ciúmes do herói pela sua recente união com Eos, fez com que Gaia enviasse um escorpião gigante para o eliminar. Órion lutou com o perigosos animal, mas foi incapaz de o ferir. Teve, portante, de fugir, de lançar-se ao mar e nadar para longe. Apolo, temendo que a irmã Ártemis se apaixonasse por Órion, tal como acontecera com Eos, criou um embuste. Disse a Ártemis que aquele que nadava, lá ao longe, era o devasso que seduzira uma das suas sacerdotisas hiperbóreas, depois desafiou-a, perguntando-lhe se era capaz de o matar com uma seta certeira, desferida do seu arco preciso. Ártemis assim o fez. Quando percebeu o engano, lamentou a morte do herói e pediu a Asclépio para o ressuscitar, mas Zeus impediu-o. Desta forma, a única forma de recompensa foi colocá-lo no céu, entre as estrelas, juntamente com o escorpião que o perseguiu.    

Este dois mitos, aos quais ainda se podia juntar o de Orfeu e de Eurídice, têm elementos comuns que são fundamentais para compreensão do signo de Escorpião. O sexo, a violência, a luta, os desafios, a morte e o renascimento são características que se fundem e que, juntas, confirmam a natureza deste senhor do Zodíaco. 

O peregrino do Zodíaco, o Eu em viagem, enfrenta o grande desafio, a luta pela sua identidade. Para sair vitorioso, tem de perder o que trazia consigo. O medo, os vícios, as prisões do Ego têm de ser eliminadas. É então que o herói enfrenta a morte, a sua própria morte, só assim poderá renascer. E este renascimento, esta conquista da Luz só é possível com a ajuda da Deusa. O arquétipo feminino é a luz no caminho, a recompensa no termo da viagem.   



Bibliografia:
Bailey, Alice A., Os Trabalhos de Hércules. Tradução J. Treiger. Niterói (Rio de Janeiro - Brasil): Fundação Avatar, 2008.
Brandão, Junito de Souza, Mitologia Grega, 3 Volumes. Petrópolis (Brasil): Editora Vozes, 2007.
Graves, Robert, Os Mitos Gregos. Tradução Fernanda Branco. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 3ª Edição, 2004.
Sicuteri, Roberto, Astrologia e Mito. Tradução Pier Luigi Cabra. São Paulo (Brasil): Editora Pensamento, 1994. 

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Algumas Reflexões Mitológicas acerca do Signo de Balança


Balança é o sétimo signo da roda do Zodíaco e forma com Carneiro o eixo que indica a oposição/complementaridade entre a Personalidade e a Alteridade. Na viagem da Alma, o Eu conhece o Outro, transfere o conhecimento de si, a sua identidade, para apreender a visão mística da polaridade. 

Na atribuição dos Doze Trabalhos de Héracles a cada um dos signos, Balança tem a sua expressão na captura do javali de Erimanto. Segundo Robert Graves, em Os Mitos Gregos, "agarrar viva uma fera tão bravia, era uma tarefa extraordinariamente difícil, mas mesmo assim, lançando gritos estridentes, conseguiu fazê-la sair do meio de um mato, impeliu-a para um buraco muito fundo atulhado de neve, e aí saltou-lhe para o dorso. Prendeu-a com correntes, e carregou-a, viva, aos ombros, até Micenas."(p.482). É de salientar que a tarefa de Héracles era a de capturar o animal vivo. O herói tinha de domar a fera, a pulsão primordial. Esse exercício exigia uma passagem do caos - a fera indomada - para a ordem - a fera acorrentada. 

Outros dois aspectos que são de referir neste mito é o da morte de Folo e o do ferimento de Quíron. Herácles foi convidado a jantar com Folo. Este, com a devida hospitalidade, serviu carne assada ao herói, porém o jarro de vinho não foi aberto, pois era pertença de todos os centauros. No entanto, o aroma do vinho acabou por captar o olfacto apurado dos centauros, os quais violentamente atacaram Herácles. Alguns tombaram no seu ataque e, quando um flecha disferida por engano atravessou o braço de Elato, o herói percebeu o seu erro. A flecha passou o braço do centauro e cravou-se no joelho de Quíron, o mais sábio de todos centauros, o mestre dos heróis. A ferida era incurável e as dores eram atrozes. Entretanto, a luta terminou, os restantes centauros fugiram e Folo estava a enterrar os seus companheiros. Arrancou uma das flechas e pôs-se a examiná-la e é, neste momento, que a seta lhe foge das mãos e lhe atravessa o pé, matando-o de imediato. 

O sétimo trabalho de Herácles é marcado por estes dois episódios: a captura do javali e a luta contra os centauros. No primeiro, é importante referir que Herácles não usou somente a força, ele monta uma armadilha para capturar o animal, recorrendo à inteligência e à habilidade. No segundo, a desmedida da força faz com que, pela sua acção, dois amigos sofram a consequências: dor e morte. A atribuição deste sentido ao signo de Balança revela o imperativo do equilíbrio e da inteligência. É um engano pensar-se que este signo indica o equilíbrio e a justiça como estado, pois a sua natureza é a da busca e da finalidade. Os nativos de Balança tem perante si este enorme desafio que é o de encontrar a justa medida, a harmonia entre as polaridades. 


Se observarmos o glifo do signo, podemos constatar que o elemento superior se assemelha com a última letra do alfabeto grego, o ômega, o que contribui para noção de finalidade e de feminino, pois este signo é regido por Vénus e a letra grega é feminina, em oposição ao alpha que é masculino. O elemento inferior é uma linha, o que indica o caminho, a viagem. Alice Bailey, n´Os Trabalhos de Hércules, diz que "dever-se-ia assinalar que o ponto de equilíbrio (...) é uma condição dinâmica, não estática, um sistema balanceado de energias poderia ser uma definição mais adequada" (p.131). A natureza deste equilíbrio e o significado da sétima casa, sede deste signo, faz com que a Balança seja consagrado o hieros gamos, o casamento sagrado entre o masculino e o feminino. A constelação de Balança está justamente entre a de Virgem e a de Escorpião. 


Quando observamos os glifos deste dois signos, é imediata a percepção da sua complementaridade. O M poderia ser o M de Maithuna, palavra em sânscrito que indica a união sexual. As pernas finais da letra são um reflexo dessa dinâmica de polaridade. A Balança colocada entre esses dois signos atinge a sua suprema realização quando conseguir atingir o ponto de equilíbrio e passar de um estado de tensão para um de harmonia. Esta união mística atingirá o seu ponto último quando o peregrino chegar à constelação de Peixes, aqui a polaridade resultará numa integração no Uno.  

Obras utilizadas:
Bailey, Alice A., Os Trabalhos de Hércules. Tradução J. Treiger. Niterói (Brasil): Fundação Avatar, 2008.
Graves, Robert, Os Mitos Gregos. Tradução Fernanda Branco. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 3º Edição, 2004.