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segunda-feira, 7 de maio de 2018

Os 7 Sistemas de Termos da Astrologia Antiga (6): Ptolomeu


   O sistema de Ptolomeu, praticamente sem adeptos durante a Antiguidade, foi aquele que imperou sobretudo após a Alta Idade Média, primeiro em alguma astrologia árabe e depois na Europa Cristã. Este é o modelo expresso por William Lilly e seguido por grande parte dos astrólogos tradicionais contemporâneos. No entanto, os termos aqui apresentados diferem em alguns elementos daqueles defendidos por Lilly. O modelo aqui transcrito segue a lição de Heféstion de Tebas, que nasceu a 26 de Novembro de 380 E.C. e que completou o seu livro, Apotelesmatika, em cerca de 415, cerca de dois séculos e meio após a morte de Ptolomeu. Heféstion, no Capítulo 1 do Livro I, que contempla uma das mais completas descrições dos doze signos e a mais extensa descrição dos decanatos egípcios, inclui o esquema dos termos egípcios e ptolemaicos. 

   A questão dos termos de Ptolomeu deve-se sobretudo ao facto da recepção do Tetrabiblos se sustentar em manuscritos tardios. O manuscrito mais antigo data do século XIII e existem dois ou três do século XIV, destes só um é completo. A maioria dos manuscritos é dos séculos XV e XVI. Este constrangimento no número de manuscritos foi compensado pelo manuscrito do século X da Paráfrase de um Pseudo-Proclo, datada entre o século V de Proclo e o período bizantino e traduzida por Allatius, à qual se juntou um texto em grego anónimo, um comentário ao Tetrabiblos, atribuído também a Proclo e publicado em 1559 por Hieronymus Wolf. No caso da língua inglesa, até à tradução de Robbins (1940) todas as traduções seguiram a Paráfrase. O problema, na verdade, não está na fidelidade da Paráfrase ao texto de Ptolomeu, pois, exceptuando o caso de ter sido escrita num grego mais simples e acessível, o seu conteúdo está muito próximo do original. No entanto, na questão dos termos e, em especial na tabela de termos, a Paráfrase apresenta uma dupla atribuição de termos: uma principal, em caracter maior, e outra supra-escrita, em caracter menor (Houlding: 270-1). Esta opção, que resulta provavelmente ora da ambiguidade do próprio sistema de termos, ora da inconsistência das fontes, levou a que existisse uma necessidade de escolha, de modo a fixar um sistema passível de ser posto em prática. É por essa ordem de razões que existem tantas variantes nos termos. 

   O modelo preservado por Heféstion obedece, em primeiro lugar, a um critério de antiguidade e de maior proximidade temporal ao autor. Deve-se salientar que a sua Apotelesmatika serve de compêndio para a astrologia antiga, pois preserva, numa primeira ordem, as obras de Doroteu de Sidon e de Ptolomeu e, numa segunda ordem, um vasto conjunto de referências, de autores como Nechepso e Petosíris, Critodemo, Anúbio, Antíoco de Atenas, Antígono de Niceia, Trasilo de Mendes e muitos outros. Torna-se assim compreensível a preferência pela sua lição. No entanto, a preferência tem também um critério substantivo, visto que, tal como Houlding refere no seu artigo, as escolhas de Heféstion têm uma maior adequação aos pressupostos metodológicos de Ptolomeu. Ao modelo de termos expresso por Heféstion correspondeu também uma tradição. A astrologia árabe, embora não siga as suas indicações à letra, conservou a sua herança. É nessa linha conjunta de Ptolomeu e Heféstion que encontramos a tradução árabe do Tetrabiblos de Hunain ibn Ishaq (809-873 E.C.), a qual serviu de base à tradução para latim de Plato de Tivoli, em 1138. Nesta tradição árabe, temos também a tradução anónima de 1206 e o Comentário do século XI de Ali ibn Ridwan, conhecido por Haly e traduzido no século XIII por Aegidius de Thebaldis. Estas referências são importantes para a questão dos termos, pois a tradição árabe dos termos ptolemaicos, seguida na Europa Cristã por Guido Bonatti, via Plato de Tivoli, revela algumas diferenças daquela que culminará em William Lilly. As tabelas comparativas podem ser encontradas no artigo de Houlding.

   Ptolomeu coloca este sistema no fim de uma linha argumentativa, iniciada pela exposição crítica do sistema egípcio e desenvolvida pelo sistema caldeu. Porém, este sistema não surge como sendo da autoria de Ptolomeu e, apesar das inconsistências apontadas, não deixa de dizer que o sistema egípcio é o mais comum. Já sobre a génese daquele que ficou conhecido como o seu sistema, Ptolomeu diz o seguinte: "Contudo e sem mais demora, encontrámos uma cópia de um manuscrito antigo e muito deteriorado da sua [termos] ordem e quantidade e que, ao mesmo tempo, apresenta a tabela de graus das já referidas natividades e do valor das somas, o qual se encontra em concordância com a disposição dos antigos" (I, 21, 1127-1132, Ed. Hübner, trad. do grego). Do manuscrito referido por Ptolomeu não existe qualquer registo ou referência, o que leva a crer que a história do manuscrito pode ter sido um artifício textual para escapar à dificuldade de justificar filosoficamente o sistema de termos. Por outro lado, a descrição do manuscrito revela uma grande semelhança com o sistema egípcio, pois a questão dos totais planetários apresenta-se como determinante, o que aliás é observável nos termos retidos por Heféstion. À excepção de um pequeno erro nos termos de Sagitário, onde existe uma inversão no número de termos de Marte e Vénus, os totais planetários concordam com os do sistema egípcio. Desta forma, podemos concluir que toda a edição dos termos ptolemaicos que não reproduza estes totais está errada. Plato de Tivoli e Guido Bonatti, ao discordarem de certas disposições de Heféstion e ao corrigi-las, acabaram por prescindir do imperativo dos totais. Convém lembrar que estes totais servem para os anos planetários, os quais, por sua vez, são utilizados para o cálculo da duração da vida, logo, embora Ptolomeu afirme que não compreende a razão por detrás dos termos egípcios, está consciente do seu potencial.

   Ptolomeu define do seguinte modo as premissas metodológicas para criação de um modelo termos: "Para a sua ordem dentro de cada signo (dôdekatêmórion), são consideradas as exaltações (hypsómata), as triplicidades (trígôna) e os domicílios (oikoi). De um modo geral, a estrela que no mesmo signo tiver duas destas regências (oikodespoteías) é colocada em primeiro lugar, mesmo que seja um maléfico (kakopoiós). Porém, se não se obtiver esta condição, os maléficos serão sempre colocados em último, os regentes das exaltações em primeiro, de seguida, os regentes das triplicidades e depois os regentes dos domicílios, seguindo um após o outro a ordem dos signos. Mais uma vez aqueles que possuem duas regências devem ser preferidos face àqueles que, no mesmo signo, possuem apenas uma" (I, 21, 1140-1149, Ed. Hübner, trad. do grego). As directrizes são bastantes claras, todavia um critério no método proposto esteve na origem de uma confusão que persistiu no tempo. Ptolomeu diz o seguinte: "Contudo, uma vez que não são  atribuídos termos aos luminares, Caranguejo e Leão, que são os domicílios do Sol e da Lua, são distribuídos pelos maléficos por não terem a sua parte na ordem, Caranguejo a Marte e Leão a Saturno, nos quais preservam o seu lugar na ordem dos signos e dos domicílios (oikeía)" (I, 21, 1149-1154, Ed. Hübner, trad. do grego). Foi esta atribuição que gerou a mais significativa diferença nas tabelas dos termos ptolemaicos. 

   Os primeiros termos de Leão foram consagrados, pela maioria, a Saturno. Heféstion, por seu lado, entrega-os a Júpiter. A tradução de Robbins segue essa via e Houlding justifica-a (287-8 e 295-8). No entanto, quase todas as edições desde a Paráfrase seguem a opção de Saturno. O erro parte de duas falsas premissas: uma confusão na dupla atribuição da Paráfrase e uma má interpretação dos textos de Ptolomeu acima traduzidos. A Paráfrase coloca Júpiter na posição de destaque e Saturno no lugar supra-escrito (Houlding: 271). À primeira vista, Júpiter seria a escolha certa, mas a maioria dos tradutores e astrólogos preferiram Saturno, falsamente guiados pelo texto do Tetrabiblos. Ptolomeu está somente a colocar Marte e Saturno nos domicílios de Caranguejo e Leão e não a atribuir-lhes ad hoc os primeiros termos de cada signo. A tradução da palavra oikeía é parte do problema, pois Robbins (1940) e Schmidt e Hand (1994) optaram por traduzi-la por "adequado" ou "próprio de", todavia, tal como o Liddell & Scott refere, a palavra indica também os signos domiciliários. Desta forma, podemos concluir que Marte, em substituição da Lua, é o domicílio de Caranguejo e Saturno, em substituição do Sol, é o domicílio de Leão. O caso de Caranguejo é mais fácil de compreender, visto que Marte já é o regente da triplicidade, tendo portanto precedência sobre o regente do domicílio, todavia, ao tornar-se também o domicílio acumula as tais duas regências que permitem a um maléfico ocupar o primeiro lugar. O caso de Leão é menos óbvio, mas também não deixa grande dúvida. Júpiter é o regente nocturno da triplicidade, logo, na ausência do Sol e porque Leão não tem exaltação, toma o seu lugar. Saturno não se poderia qualificar, pois, segundo as regras estabelecidas por Ptolomeu, o regente da triplicidade tem valor superior ao do domicílio e, por outro lado, para os maléficos ocuparem os primeiros termos teriam de reunir duas regências, algo que Saturno não reúne. Alguns ainda poderiam argumentar, dizendo, tal como Doroteu determinou, que Saturno é o regente co-participante ou cooperante da triplicidade, todavia, não existe qualquer referência à utilização desse tipo de regente na atribuição dos termos, pois se assim fosse, outros termos teriam de ser alterados. Desta forma, a lição de Heféstion é aquela que deve ser seguida.

   Quanto às sugestões propostas por Houlding, indicadas entre parêntesis na tabela, devemos fazer uma avaliação individual. Existe uma que já foi falada e que deve ser sempre aceite, pois determina os totais planetários, ou seja, a inversão dos totais dos graus de Vénus e Marte, passando Vénus a reger 6° e Marte, 5°. Depois é também razoável a inversão de Mercúrio e Vénus, e respectivos graus, nos signos de Caranguejo e Leão. Este pode até ser um erro, pois os glifos destes planetas em manuscritos antigos são ainda mais semelhantes que aqueles que hoje usamos. Quanto às outras sugestões, deve existir alguma reserva, pois comprometem os totais planetários, todavia a justificação que Houlding faz, signo a signo, deve ser considerada (299-305), pois consolida a preferência pela tabela de Heféstion. Em suma, o contributo de Ptolomeu para a doutrina dos termos é incontornável e, quer se siga o seu sistema ou qualquer um dos outros sistema, o seu esforço de teorização deve ser sempre estudado.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Os 7 Sistemas de Termos da Astrologia Antiga (3): Sistema Egípcio


   O sistema egípcio de termos, contrariando uma ideia errónea que se estendeu do final da era de ouro da astrologia árabe até William Lilly, foi o mais consensual, não só pelas suas origens tradicionais como também pela sua profundidade na doutrina astrológica. Este é o sistema defendido por Doroteu de Sidon, quiçá o astrólogo mais influente de toda a antiguidade. Um outro factor que impera na sua opção é que se a Babilónia foi o berço da astronomia e da astromancia, o Egipto foi a casa da astrologia. Alexandria é por excelência a cidade dos astrólogos. Porém, é um erro assumir-se que as civilizações e as culturas se cingem ao seu pedaço de terra, pois, por exemplo, após o fim do império caldeu, em 539 A.E.C., o termo caldeu passou a ser utilizado como sinónimo de astrólogo, independentemente da sua origem geográfica, daí a persistência de alguma confusão. As tabuletas babilónicas estudadas por Jones e Steele seguem essa ideia de interculturalidade astrológica e lançam um outro olhar sob os termos.

   A tradição tende a atribuir a génese deste sistema a Nechepso e a Petosíris. O fragmento 3 da edição de Riess aponta para esse sentido: E, dessa forma, Apolinário está entre os que discordam da disposição dos termos de Ptolomeu, de tanto Trasilo como Petosíris e dos outros antigos (trad. do grego). Neste fragmento, encontra-se também uma pista para o esclarecimento de algumas das dúvidas de Ptolomeu em relação a este sistema. O texto quando diz kaì amphóteroi pròs Thrásyllon kaì Petósiron, esforça-se por mostrar que ambos seguiam a mesma disposição de termos. Ptolomeu critica este sistema por não seguir nenhuma ordem para as planetas, como a versão caldaica mais comum (I, 20), todavia a sequência inaugural de termos, ou seja, os que definem Carneiro já é por si o princípio conceptual de uma ordem. A formulação Júpiter-Vénus-Mercúrio-Marte-Saturno revela uma clara distinção entre os benéficos e os maléficos, tendo Mercúrio como intermediário. Ora o sumário da obra Pínax de Trasilo (CCAG VIII, 3: 99-101), aquando da descrição do dodekatópos, expressa um princípio idêntico, pois coloca Mercúrio no Ascendente, na linha do horizonte, Vénus e Júpiter no eixo das Casas V e XI e Marte e Saturno no eixo das casas VI e XII, ou seja, separa os benéficos e os maléficos. No entanto, o sumário de Trasilo, e provavelmente a concepção original dos termos de Nechepso e Petosíris, firma-se no princípio da haíresis, na divisão por segmento ou condição, a qual pressupõe uma natural harmonia dos opostos e uma regra de complementaridade. É nesse sentido, embora com um predomínio dos benefícios, que a soma dos graus perfaz o total do círculo e se associa com os anos planetários.

Júpiter - 79
Vénus - 82
Mercúrio - 76
Marte - 66
Saturno - 57

   Esta verificação de pressupostos leva também a que se compreenda a intenção de Critodemo no seu sistema de termos, ou seja, o esforço de conciliar este com outro método de divisão da eclíptica. A concepção, enraizada nos fundamentos da astrologia, de dividir e atribuir um sentido aos graus do círculo da eclíptica, de dar um carácter, um sentido ao destino, visto que a palavra grega para grau é moira, é uma criação de génese egípcia e desenvolvimento grego-egípcio. Esse é o espírito dos termos egípcios, algo que Ptolomeu não compreendeu, pois o seu aristotelismo impediu-o de ir para além das suas categorias. É porventura por essa razão que os seus termos não foram acolhidos pelos astrólogos do seu tempo, à excepção de Heféstion de Tebas e mais de dois séculos após a sua morte. O neoplatonismo e o estoicismo serviram melhor a construção de um sistema astrológico. O sistema egípcio, apesar de algumas inconsistências, é o mais comum, encontramo-lo parcialmente nas tabuletas babilónicas e em papiros demóticos (P. CtYBR inv. 1132 B), bem como em quase todos os astrólogos da antiguidade.